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Entrevista de emprego: você sabe qual é o objetivo?

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Ontem, durante o almoço em um restaurante movimentado, tornei-me testemunha involuntária de uma conversa que me perseguiu pelo resto do dia.

Dois profissionais de vendas, visivelmente frustrados, relatavam suas experiências recentes em processos seletivos. O tom não era de desabafo comum, era de indignação profunda.

Um deles chegou a bater os punhos na mesa: “Como pode isso? Somos todos brasileiros e merecemos oportunidades iguais!

A frase ecoou. E me fez questionar: afinal, qual é o objetivo real de uma entrevista de emprego?

O teatro do medo

Se você perguntar a dez recrutadores qual o objetivo de uma entrevista, provavelmente receberá dez variações da mesma resposta: “avaliar se o candidato tem fit com a vaga”. Mas o que testemunhei naquele almoço revela uma distorção perigosa dessa premissa.

Os profissionais relatavam situações em que recrutadores menosprezavam abertamente suas competências, duvidando que fosse “realmente possível” dominar determinadas habilidades. Questionavam a capacidade dos candidatos de conhecer segmentos específicos ou aplicar conhecimentos técnicos a contextos particulares – ironicamente, sem que os próprios entrevistadores dominassem esses temas.

O que deveria ser uma conversa para identificar potência transformou-se em um interrogatório onde paira o medo, o temor, a angústia de “responder certo ou errado”.

A falácia da resposta única

Aqui reside um dos maiores equívocos do recrutamento contemporâneo: a crença de que existe UMA resposta correta.

Treinamos recrutadores com scripts, com perguntas padronizadas, com gabaritos de respostas “ideais”. E então esperamos que eles avaliem candidatos que, na prática profissional, precisarão navegar por contextos ambíguos, problemas inéditos e situações que nenhum manual previu.

A matemática não fecha.

Na vida real, resolver problemas exige muito mais do que conhecimento técnico e habilidades catalogáveis. Exige a capacidade de perceber nuances, interpretar contextos, conectar informações aparentemente desconexas, analisar sem inferir precipitadamente, e então – só então – sugerir soluções.

Onde está isso nas nossas entrevistas?

A provocação necessária

Faço aqui uma provocação incômoda: estamos avaliando potência ou validando vieses?

Olho para minha própria trajetória e reconheço diversos momentos – foram vários – em que eu não tinha todo o conhecimento técnico para estar onde estava. Mas tinha algo que nenhum checklist captura: atitude. A capacidade de entender o contexto, identificar os caminhos para acessar informações, conectar pontos que outros não viam.

Isso nunca me tornou menor. Cresci entre gigantes: profissionais mais experientes, com vivência internacional, mais velhos, teoricamente mais maduros. E estava ali, lado a lado, contribuindo e evoluindo.

Por que? Porque alguém, em algum momento, teve a sensibilidade de avaliar não apenas o que eu sabia, mas o que eu era capaz de aprender, adaptar e transformar.

O custo do menosprezo

Quando um recrutador brasileiro menospreza a capacidade de outro brasileiro, o dano transcende a rejeição individual. Erodimos a confiança no mercado de trabalho, afastamos talentos do ecossistema de inovação, perpetuamos desigualdades de oportunidade.

E perdemos. Perdemos profissionais que poderiam resolver problemas que nem sabemos que teremos. Perdemos diversidade de pensamento. Perdemos a chance de construir equipes verdadeiramente potentes.

Repensando o objetivo

Então, volto à pergunta inicial: qual é o objetivo de uma entrevista de emprego?

Sugiro que não deveria ser “pegar o candidato” em uma resposta errada. Não deveria ser validar que decorou o framework da moda. Não deveria ser um ritual de humilhação velada.

O objetivo deveria ser simples, mas profundo: identificar se aquela pessoa tem a potência para crescer conosco e nos fazer crescer com ela.

Isso exige do recrutador algo que nenhum script fornece: empatia, curiosidade genuína e humildade para reconhecer que, do outro lado da mesa, não está um currículo ambulante, mas uma pessoa com trajetória, potência e, sim, dignidade.

O desafio para o mercado

Se queremos construir um ecossistema de tecnologia e inovação verdadeiramente competitivo no Brasil, precisamos começar por transformar a porta de entrada: o processo seletivo.

Menos teatro, mais conversa. Menos checklist, mais contexto. Menos medo, mais possibilidade.

Porque no final, quem perde com processos ruins não é apenas o candidato rejeitado. Somos todos nós, que deixamos de ter acesso ao que essas pessoas poderiam criar, transformar e construir.

A pergunta permanece no ar, ecoando como os punhos na mesa daquele almoço: você sabe qual é o objetivo de uma entrevista de emprego?

Talvez seja hora de repensarmos a resposta.

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Growther por natureza e convicção, é fundador da HumanAZ

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