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A indústria do bem-estar virou um golpe?

Foto: divulgação
Foto: divulgação

Nos últimos anos, o termo bem-estar foi elevado ao status de solução universal. Tudo promete “cuidar da sua saúde mental”: aplicativos, retiros, cápsulas, planners, incensos, métodos de produtividade, sessões de “cura rápida”, programas corporativos que cabem em um único slide.

No discurso, é sobre autocuidado. Na prática, é sobre lucro.

E essa é a pergunta que precisamos fazer, mesmo que doa: a indústria do bem-estar virou um golpe?

Uma geração exausta e um mercado que percebeu isso como uma oportunidade.

Vivemos o auge de uma sociedade hiperperformática. As pessoas estão cansadas, ansiosas, desconectadas de si mesmas e completamente presas a um modelo de trabalho que exige resiliência infinita, mesmo quando não há mais energia.

É o cenário perfeito para transformar sofrimento em oportunidade de negócio.

O capitalismo fez o que sabe fazer melhor: sentiu o medo, a exaustão, a culpa e o descontrole emocional das pessoas…
e transformou tudo isso em produto.

De repente, bem-estar deixou de ser prática e virou mercadoria. E uma mercadoria altamente lucrativa.

A economia do sofrimento já é bilionária

  • O mercado global de bem-estar movimenta US$ 5,6 trilhões (Global Wellness Institute).
  • O segmento de saúde mental digital cresce cerca de 20% ao ano.
  • Empresas investem bilhões em programas de “wellness corporativo”, mas 80% dos colaboradores afirmam que nada muda na rotina (Harvard Business Review).
  • 50% das pessoas que consomem algum produto de “autoajuda rápida” compram novamente em menos de 30 dias. Sinal de que não funciona, mas vicia.

Esses números mostram algo claro: a indústria está faturando muito mais do que está curando.

E, enquanto isso, os indicadores de burnout, ansiedade e depressão seguem subindo.

O que isso revela? Que não estamos tratando a causa. Estamos apenas vendendo alívio temporário para uma dor estrutural.

A grande distorção do mercado está aqui: transformar ferramentas de autocuidado em solução completa para problemas organizacionais profundos.

Não é a meditação que resolve jornadas insanas.
Não é o mindfulness que compensa metas abusivas.
Não é a yoga das 18h que corrige a falta de reconhecimento.
Não é o “Happy Hour” que cria segurança psicológica.

E definitivamente não é uma assinatura mensal que cura um ambiente tóxico.

Se queremos falar de bem-estar de verdade, precisamos falar de:

  • cultura organizacional séria
  • liderança emocionalmente capacitada
  • limites claros
  • segurança psicológica
  • ritmo sustentável
  • reconhecimento real
  • pertencimento
  • coerência entre discurso e prática

Bem-estar não se compra.
Se constrói.

A pergunta que dá título a esse artigo não é sobre demonizar a indústria. Ela é sobre expor o que estamos normalizando.

O bem-estar virou golpe quando passou a terceirizar culpa:

“Se você está mal, cuide-se melhor.”
“Se está ansioso, faça mais ‘autocuidado’.”
“Se está esgotado, é falta de disciplina.”

Não. Não é isso.

O verdadeiro golpe é convencer pessoas a corrigirem, sozinhas, um sistema que adoece coletivamente.

Bem-estar é ritmo, verdade, ambiente e dignidade.
É saber trabalhar sem se destruir no processo.
É poder existir para além dos resultados.

E isso não cabe em um frasco, um app ou uma palestra isolada.

Bem-estar é uma escolha cultural.
E, quando uma empresa decide construir isso de verdade, não há indústria nenhuma no mundo que consiga vender substituto.

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Consultora empresarial e palestrante, atua na transformação cultural de empresas por meio de programas de felicidade corporativa, segurança psicológica e sustentabilidade humana.

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