Por Matheus Martins, especialista em direito empresarial e sócio do Barcelos Martins Advogados.
Recentemente, o mercado global de tecnologia e recursos humanos acompanhou um escândalo digno das grandes histórias de espionagem corporativa: a Rippling, gigante avaliada em mais de US$ 13 bilhões, abriu um processo judicial acusando diretamente a concorrente Deel, avaliada em US$ 12 bilhões, de espionagem industrial.
Não bastasse a acusação grave, o caso veio acompanhado de detalhes surpreendentes, e, diga-se, cinematográficos, sobre como o suposto espião teria sido descoberto.
Segundo a Rippling, um funcionário localizado na Irlanda estaria acessando ilegalmente canais internos no Slack, buscando informações sensíveis sobre estratégias comerciais e planos de expansão, especialmente relacionados à Deel.
Para confirmar a suspeita, a Rippling montou uma armadilha, conhecida no jargão da segurança digital como honeypot, criando um canal fictício no Slack onde os funcionários supostamente discutiam negativamente a Deel.
A rápida reação do suspeito, que teria visitado o canal falso poucas horas após a armadilha ser montada, foi suficiente para convencer a empresa da existência de uma operação de espionagem orquestrada pela rival.
A situação ganhou contornos ainda mais dramáticos quando, ao receber uma ordem judicial para entregar seu telefone, o funcionário suspeito correu ao banheiro e teria tentado destruí-lo, inclusive tentando dar descarga no aparelho.
Tal comportamento, que lembra uma cena típica de filmes policiais, serviu apenas para reforçar as suspeitas e agravar ainda mais o escândalo.
Esse episódio remete a outros casos famosos de espionagem corporativa, como a disputa histórica entre Coca-Cola e Pepsi, que envolveu funcionários trocando informações sigilosas sobre receitas e estratégias comerciais, ou ainda o caso recente envolvendo executivos da Uber, que foram acusados de espionagem industrial contra o Google na corrida por carros autônomos.
O escândalo da Enron, embora não diretamente ligado à espionagem, também serve como um exemplo marcante de falhas éticas e de compliance que derrubaram uma gigante e transformaram definitivamente o mercado financeiro.
Em termos culturais, é impossível não lembrar do clássico filme Wall Street (1987), onde Gordon Gekko eternizou a frase “a ganância é boa”, refletindo uma visão distorcida sobre ética nos negócios.
Mas, se algo pode ser aprendido da ficção, e dos casos reais mencionados, é que negligenciar controles internos e boas práticas de governança traz consequências reais e muitas vezes desastrosas para as empresas envolvidas.
O que o conflito Rippling vs. Deel escancara é justamente a necessidade urgente de fortalecer controles internos em empresas de todos os portes. É fundamental que organizações estabeleçam políticas claras de segurança da informação, limitação de acessos internos e que implementem sistemas robustos de monitoramento e auditoria.
Mais do que apenas prevenir a espionagem corporativa, essas práticas são pilares de uma cultura organizacional sólida e ética, reduzindo drasticamente os riscos legais e reputacionais.
Um compliance estruturado, apoiado por uma governança corporativa sólida e eficaz, torna-se mais do que nunca indispensável.
Controles internos bem definidos, alinhados às melhores práticas internacionais e com mecanismos claros de denúncia e investigação interna são ferramentas valiosas não apenas na proteção contra ações indevidas, mas também para evitar conflitos jurídicos dispendiosos e crises de imagem.
A lição deixada pela disputa entre Rippling e Deel é clara: ignorar a importância do compliance e da governança não é mais uma opção viável para empresas que desejam prosperar de maneira sustentável, inclusive startups.
É hora de reconhecer que boas práticas não são apenas obrigações legais, mas investimentos estratégicos que garantem a integridade e longevidade das empresas no mercado global.
Como Gekko descobriria décadas depois, a ganância não é boa quando vem desacompanhada da responsabilidade e da ética corporativa.
No mundo real, negócios sustentáveis são construídos sobre confiança, transparência e respeito às regras do jogo, algo que todas as empresas, não importa o seu tamanho, fariam bem em lembrar, pois no mundo dos negócios, ao contrário do cinema, nem sempre há uma segunda chance de reconstruir uma reputação perdida.