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Governança é o que separa startups que crescem de startups que quebram

Foto: divulgação.
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Por Priscila Ferreira, fundadora da infer assessoria.

No universo das startups, onde velocidade, inovação e flexibilidade são celebradas como virtudes essenciais, temas como estrutura societária e planejamento sucessório costumam ser deixados em segundo plano.

A atenção imediata recai sobre o desenvolvimento do produto, a conquista de mercado e a captação de recursos.

Essa priorização é compreensível, mas a negligência das bases jurídicas e organizacionais pode gerar consequências graves, capazes de comprometer a sustentabilidade do negócio, a reputação da empresa e sua capacidade de atrair investidores.

Em um ambiente marcado pela volatilidade e pela competição acirrada, ignorar a importância de uma arquitetura societária sólida e de regras claras para transições internas é um risco que nenhuma startup deveria assumir.

A sucessão empresarial, entendida como o processo de transferência de participação, responsabilidades e poder decisório para terceiros, sejam herdeiros, investidores ou novos sócios, é inevitável ao longo da vida de qualquer empresa.

As razões para a transição variam entre saída voluntária de um sócio, falecimento, venda de participação ou reestruturações internas.

Apesar de natural e, muitas vezes, saudável, esse movimento pode se transformar em um cenário de insegurança e conflito quando não há previsibilidade contratual, clareza de papéis ou mecanismos de governança previamente estabelecidos.

Do ponto de vista jurídico, a ausência de acordos societários é uma das principais causas de litígios entre sócios. Cláusulas como direito de preferência, vesting, não concorrência, deadlock, drag along e tag along funcionam como instrumentos de equilíbrio entre interesses e de proteção contra rupturas inesperadas.

Sem esses dispositivos, disputas podem se arrastar por anos, bloquear decisões estratégicas e gerar insegurança jurídica em um nível que compromete a sobrevivência da empresa.

Além disso, a falta de definição sobre quem assume as responsabilidades de sócios retirantes, especialmente no que se refere a obrigações fiscais, trabalhistas e contratuais, abre espaço para litígios onerosos e danos reputacionais que podem ser irreversíveis.

O impacto da falta de governança, porém, ultrapassa o campo jurídico. A maneira como uma startup organiza sua estrutura interna e conduz suas transições revela seu nível de profissionalismo, sua visão de longo prazo e seu grau de maturidade institucional.

Em momentos de maior exposição pública, como rodadas de investimento, entrada de novos sócios ou reposicionamentos estratégicos, qualquer sinal de desalinhamento tende a gerar desconfiança. Investidores e parceiros observam não apenas o potencial do produto, mas também a capacidade da empresa de gerir conflitos, manter transparência e operar com previsibilidade.

Em um ecossistema onde credibilidade é um ativo tão valioso quanto a tecnologia, inconsistências internas podem ser fatais.

A preocupação com esse tema é amplamente compartilhada por instituições referência em governança. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), entidade central no cenário nacional, destaca que uma estrutura societária bem definida e um planejamento sucessório consistente estão diretamente relacionados à longevidade, à sustentabilidade e à capacidade de atração de investidores, inclusive entre startups.

No documento “Governança Corporativa para Startups e Scale-Ups”, a organização ressalta que acordos societários claros, mecanismos de sucessão e estruturas formais de governança são elementos essenciais ao longo de todo o ciclo de vida das startups.

Essas diretrizes, segundo o instituto, reduzem riscos, evitam conflitos internos e fortalecem a capacidade da empresa de atrair e negociar capital.

Essa visão ganha ainda mais robustez quando o IBGC amplia a análise para outros segmentos empresariais.

No artigo “Sucessão nas empresas familiares: o caminho é a governança”, a instituição mostra que os princípios aplicados às startups também se confirmam no contexto das empresas familiares, que enfrentam desafios semelhantes em seus processos de transição.

O instituto reforça que a organização do processo sucessório, apoiada por mecanismos sólidos de governança e acordos claros entre sócios, contribui decisivamente para a perenidade e a competitividade de negócios de qualquer porte.

Previsibilidade, transparência e clareza de papéis são apontadas como pilares que garantem continuidade, reduzem conflitos e preservam a saúde institucional.

As constatações do IBGC encontram ressonância em dados recentes do ecossistema de inovação.

A pesquisa Jornada da Confiança, conduzida pela PwC Brasil em parceria com a Liga Ventures, mostra que, na fase de tração, apenas 20% das startups afirmam adotar práticas formais de estratégia, gestão de riscos e ética e conduta. A expectativa dos investidores, no entanto, é que esse índice alcance 41%.

Essa discrepância evidencia uma lacuna significativa entre o que o mercado valoriza e o que muitas startups estruturam, justamente no momento em que mais necessitam de previsibilidade e controle.

Startups que tratam esse tema com seriedade demonstram maturidade jurídica e inteligência estratégica. Ao estabelecer regras claras, esses negócios reduzem riscos internos, evitam litígios custosos e constroem uma narrativa institucional mais robusta.

Com isso, tornam-se mais atraentes para investidores e parceiros, posicionando-se com solidez em um ambiente que valoriza tanto a inovação quanto a capacidade de gestão. Em um cenário competitivo, a governança deixa de ser um detalhe operacional para se tornar um diferencial estratégico.

Assim, estrutura societária e planejamento sucessório não podem ser tratados como burocracia acessória. São elementos centrais para a saúde, a governança e a imagem das startups.

Ignorar essas questões significa comprometer o futuro do negócio em nome de uma agilidade aparente, que se desfaz diante do primeiro conflito societário.

Em um mercado cada vez mais exigente, a capacidade de inovar precisa caminhar lado a lado com a capacidade de gerir. E essa jornada começa pela forma como as startups organizam a própria casa.

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