Por Evandro Lopes, neuroestrategista, especialista em neurocomunicação e CEO da SLcomm.
O debate público costuma atribuir aos algoritmos a capacidade de moldar sentimentos, opiniões e comportamentos, como se as plataformas digitais tivessem inaugurado uma nova lógica emocional. Essa leitura, embora sedutora, simplifica demais a relação entre tecnologia e mente humana. Evidências das neurociências e de pesquisas sobre consumo digital mostram que a tecnologia funciona mais como amplificadora do que como arquiteta das emoções. O que ocorre não é a criação de novos impulsos, mas a exposição contínua e em escala inédita de mecanismos ancestrais como empatia, comparação social e busca por pertencimento.
Esse fenômeno se torna ainda mais evidente quando observado no contexto brasileiro. O país ocupa a segunda posição no ranking mundial de uso de telas, com mais de nove horas diárias diante de dispositivos eletrônicos, o que representa mais da metade do tempo em que a população permanece acordada, segundo o DataReportal. Essa intensidade cria um ambiente em que qualquer estímulo emocional encontra condições ideais para se repetir, se reforçar e se transformar em padrão. A tecnologia não produz a emoção original; ela apenas garante que o mesmo gatilho apareça com frequência suficiente para parecer determinante.
A sobrecarga de informações aprofunda essa dinâmica. Estudos publicados na revista científica Neuron estimam que o cérebro humano processa pensamentos a aproximadamente 10 bits por segundo, um limite que contrasta com o volume de estímulos que recebemos no ambiente digital contemporâneo. Essa assimetria entre capacidade biológica e abundância de sinais faz com que o cérebro priorize conteúdos emocionais de forma quase automática. Eles exigem menos esforço cognitivo e ativam circuitos evolutivamente antigos. As plataformas não sabem disso por consciência própria; elas aprendem ao observar padrões de comportamento.
O comportamento humano, portanto, antecede e orienta o funcionamento das plataformas. Sistemas de recomendação não projetam emoções; eles apenas as inferem. A partir de padrões de navegação, tempo de permanência, hesitações e reações mínimas, os algoritmos ajustam o que entregam ao usuário. Por isso conteúdos que acionam vulnerabilidade, identificação ou tensão aparecem com tanta regularidade. Isso ocorre não porque a tecnologia os impõe, mas porque nós demonstramos preferência por eles de forma consistente. O resultado é um mecanismo de retroalimentação que pode parecer manipulação, embora se baseie essencialmente em nossas escolhas repetidas.
À medida que esse ciclo se acelera, surge a sensação de que a tecnologia está intensificando emoções de maneira inédita. O que se intensifica, na prática, é a exposição permanente a esses traços. Pela primeira vez, não existem intervalos naturais na experiência emocional mediada por símbolos. Não há silêncio, pausa ou ociosidade mental. O espelho cognitivo que antes era fragmentado e composto por interações sociais esporádicas agora é contínuo, iluminado e calibrado em tempo real. Essa mudança de densidade e frequência é o que dá a impressão de um fenômeno emocional novo.
Por isso a discussão central não deve se concentrar na ideia de algoritmos autônomos, mas na interpretação do espelho que eles projetam. A tecnologia não cria desejos ocultos e tampouco inaugura categorias emocionais inéditas. Ela apenas revela, com nitidez crescente, preferências, vulnerabilidades e impulsos que sempre existiram e que antes permaneciam diluídos no cotidiano. O desafio contemporâneo não é decifrar o código nem atribuir intenções à máquina. O desafio está em compreender o reflexo e avaliar como nossas próprias tendências moldam o ambiente que consumimos, e como esse ambiente, depois de ampliado, redefine a percepção que temos de nós mesmos.
No fim, a pergunta já não é o que os algoritmos estão fazendo conosco, mas quais aspectos humanos estamos permitindo que eles intensifiquem. A resposta não depende da engenharia que sustenta as plataformas. Depende da nossa capacidade de reconhecer os mecanismos emocionais que nos acompanham desde muito antes da internet e da lucidez com que escolhemos navegar dentro desse reflexo ampliado de nossos próprios impulsos.