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Com o Sisobra em campo, quem faz o gol de placa?

Foto: divulgação.
Foto: divulgação.

Por Henrique Mecabô, economista, cientista político e diretor de relações institucionais na Aprova Digital.

Não é só o Grenal que movimenta os fãs de futebol no Rio Grande do Sul. Em Espumoso, pacata cidade no centro do estado e a poucas horas da fronteira catarinense, todo ano acontece um campeonato no qual as empresas e clubes locais não medem esforços na hora de montar plantéis competitivos. 

Jogadores recém-aposentados passam a desfilar pelas canchas da cidade, unindo esforços em busca da taça municipal, enquanto a população entoa o grito na torcida, como se a bola estivesse rolando num Grenal em pleno Estádio Municipal Ângelo Macalós. Cláudio, colorado e servidor da prefeitura há 10 anos, sempre faz um esforço para estar lá, de olho no lance. 

De um jeito similar e pouco surpreendente para quem já se acostumou com o momento de polarização na política nacional, a disputa pelo Paço Municipal Espumosense, de quatro em quatro anos, também lembra um Grenal. MDB e PP ficam de um lado, PDT do outro, fazendo esforços políticos dantescos numa briga pelo controle do orçamento e da pauta política municipal. E no meio a população fica na torcida pelo melhor para a nação. 

Independentemente de quem ganha esse Grenal político, onde as pautas políticas parecem razoavelmente diferentes, um aspecto da gestão municipal é sempre o mesmo: muito esforço é despendido para atender às exigências que vêm da esfera federal. Cláudio, sem muita opção, bate ponto todos os dias para atender essas demandas no setor de obras da prefeitura.

Um exemplo fácil dessas exigências vindas “de cima” (e que Cláudio tem a infelicidade de conhecer de perto em sua rotina) é o mal falado Sisobra. O SisobraPref é um sistema utilizado por administrações municipais para informar a Receita Federal sobre alvarás e cartas de Habite-se liberadas na cidade todos os meses. A tarefa, que inicialmente parece das mais razoáveis, amarra  sem exagero, o serviço público municipal. 

Imagine só: mensalmente, a Prefeitura de Espumoso perde pelo menos dez dias de esforços de Cláudio (e, às vezes, de mais um servidor), para recadastrar tudo a mão, num sistema de funcionamento opaco e ultrapassado da Receita Federal, as poucas obras que solicitaram licenciamento na pequena cidade de 15 mil habitantes. 

Não há automatização ou opção de copiar e colar: tudo que um cidadão informou sobre uma obra para a qual solicitou licença tem de ser digitado novamente, manualmente, nos campos corretos, sob risco de ser surpreendido por multas altíssimas. É um terço do mês do servidor gasto com uma burocracia sem propósito, enquanto ele poderia estar atendendo a população. Falta clara do Governo Federal.

O Sisobra não é um problema apenas em Espumoso: essa exigência faz servidores espumarem de raiva (sem figura de linguagem) de forma pervasiva, do Oiapoque ao Chuí. Recentemente conversei com servidores de várias prefeituras, diferentes capitais e pequenos municípios em todas as regiões do Brasil, e a reclamação já virou praticamente um hino. Brasil afora, os esforços de milhares de servidores públicos acabam direcionados a uma função para a qual não foram contratados e que pouco ajuda o cidadão. 

Cidades com mais de 40.000 habitantes e que, felizmente, estejam em desenvolvimento pujante geralmente deixam de dois a seis servidores públicos (no pior caso que encontrei até agora) focados exclusivamente na infeliz função de redigitar informações de obras no pífio sistema do Governo Federal. É um time que nunca sai do banco de reserva: não atende a população, não fiscaliza obras públicas e não pode servir ao público efetivamente, pois estão acorrentados ao Sisobra.

Recentemente, o Governo Federal se atentou ao boicote à produtividade que se transformou o envio do Sisobra e tentou disponibilizar uma nova versão, mais digital e, supostamente, mais automatizável. A nova versão do sistema, disponibilizada sem ambiente de teste ou homologação algum para que os departamentos de tecnologia das prefeituras pudessem experimentar ou estruturar seus envios automáticos, culminou em um efeito cascata e de e-mails com quase 100 servidores de diferentes cidades e estados reclamando de não conseguirem mais reportar os dados, mesmo depois de muito esforço. 

Só lhes resta agora aguardar as multas. E-mails esperançosos em busca de respostas ao time dos engravatados de Brasília ainda não haviam sido respondidos e só enfatizam a falta de fair play. A boa notícia é que, quando a performance da esfera federal atrapalha o meio de campo das prefeituras, a iniciativa privada manda uma bela caneta e coloca a gestão pública de volta para as cabeças. 

GovTechs são as startups que enxergam na tecnologia uma possibilidade de lubrificação das engrenagens do setor público. Ainda com alguma morosidade, cada vez mais fundos de investimento fomentam o crescimento dessas startups, que têm no governo seu principal cliente e na população seus maiores beneficiados. 

No Aprova Digital, onde trabalho, entre outras soluções para digitalização de fluxos das prefeituras digitais, automatizamos o envio do “bendito” Sisobra, devolvendo centenas de servidores públicos as suas posições de origem no campo. As horas de esforço para usar um sistema antiquado e sem uma finalidade clara (a não ser evitar multas) foram substituídas por alguns poucos cliques e mais pessoal disponível para, de fato, servir a população de diferentes municípios por todo o país.

Os esforços do setor público jamais deveriam se canibalizar. Deveríamos poder contar com os engravatados no Distrito Federal para, no mínimo, não travar ações voltadas à melhoria da vida da população. O trabalho dos Cláudios, Brasil afora, deveria ser potencializado, não cerceado. Dito isso, há certo conforto em saber que o setor privado pode ajudar nessa busca por eficiência na área pública, quando esta tropeça em si mesma. 

Mais e mais, o gestor público municipal busca novas ferramentas para reverter esse placar e as govtechs emergem como apoio para Cláudio e seus colegas, de cidades pequenas, como Espumoso, a metrópoles como São Paulo. Juntos damos cabo à burocracia sem precedentes e ao desperdício de tempo e dinheiro, levando agilidade e modernidade da gestão privada para toda população. 

Se é verdade que as pessoas gostam de torcer por times que estão ganhando, torçam pelas govTechs: elas seguirão marcando gols por todo o Brasil.

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