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Que saída nós temos para nossos arrependimentos?

Foto: divulgação.
Foto: divulgação.

A Biblioteca da Meia-Noite é meu livro da semana, e me causou profundas reflexões sobre o sentimento de arrependimentos, que todos nós colecionamos ao longo da vida. Escrito por Matt Haig, o romance de ficção esteve entre as principais recomendações literárias dos últimos dois anos e conquistou milhares de leitores em diversos países. O enredo provoca identificação imediata: a personagem principal, profundamente frustrada com escolhas de vida que considera equivocadas, se vê em uma biblioteca onde tem acesso a um livro com todos os seus arrependimentos.

Nessa biblioteca, cada uma das obras é uma história diferente em que ela pôde mudar todas as decisões das quais ela se arrepende. O fascinante da trama é que em cada história ela consegue ver o resultado do que seria se ela optasse por outro caminho em vez daquele que de fato ela escolheu, por isso ela vai mudando sua percepção do que ela, outrora, considerou um erro.

Ao longo da história, me questionei. Quantos dos arrependimentos que carregamos com tanto peso não são apenas pura falta de informação? Se você pudesse saber o que aconteceria com a sua história depois de mudar o que hoje é um arrependimento, será que você não escolheria, na verdade, apenas viver em paz com as suas escolhas atuais?

Isso me lembra o filme que amei quando assisti uma década atrás, mas continua sendo atual: Questão de Tempo (2013) mostra as muitas dificuldades que os protagonistas enfrentam ao lidar não com as consequências das suas escolhas, mas sim com o dom de poder voltar ao passado e fazer outras escolhas diferentes, mudando completamente o rumo da vida das pessoas que convivem com eles. Recomendo fortemente que você assista, se ainda não o fez; com certeza te trará reflexões interessantes sobre sua vida e suas escolhas.

Tanto o livro quanto o filme não querem ser didáticos, não foram feitos para nos dar uma lição sobre a vida ou nos mostrar como devemos viver. São, na verdade, formas lúdicas de narrar como os resultados das nossas opções são também renúncias, que geram alguns arrependimentos e, mesmo que pudéssemos mudar os fatos que nos causam arrependimentos, com certeza provocariam outras renúncias em outros setores da nossa vida. Se temos consciência disso, porque sofremos tanto com esse fato?

Um estudo da plataforma a ZipRecruter mostrou que quase 90% das pessoas que cursaram o jornalismo como graduação se arrependem de terem escolhido a profissão. Outro estudo sobre casamento, mostra que 50% das pessoas divorciadas se arrependem de ter tomado a decisão de se separar, enquanto um terceiro mostra que 42% dos casais se arrependem da escolha de terem ido morar juntos.

Depois da Great Resignation, fenômeno que afetou grande parte das empresas americanas em 2022, uma pesquisa trimestral da plataforma de recrutamento Joblist, realizada com mais de 15 mil pessoas, mostrou que 80% daquelas que pediram demissão durante o evento, se arrependeram da decisão.

Mina Mahmoudi, professora do Departamento de Economia do Rensselaer Polytechnic Institute, publicou em 2022 um artigo no site Review of Behavioral Economics no qual desenvolveu a teoria de razão-diferença, que explica o porquê do que consideramos serem as nossas más escolhas – de onde vêm a maioria dos nossos arrependimentos.

Basicamente, nós não conseguimos compreender a magnitude de uma coisa sem comparar a magnitude de duas coisas, ou seja, nós não tomamos uma decisão olhando apenas para os prós e contras de seguir aquele caminho, nós tomamos uma decisão comparando com os resultados de como seria a nossa vida se fossêmos para a decisão contrária.

Para simplificar, usando o exemplo dos casais que decidem morar juntos: nosso cérebro foca nas consequências da decisão de morar juntos ao mesmo tempo em que pensa nas consequências da decisão de não morar juntos, em vez de focar somente nas consequências do que estamos de fato pensando em fazer, que é morar juntos – por isso aumenta muito as chances de tomarmos uma decisão confusa para nós naquele momento, seja ela qual for, gerando arrependimento.

Funcionamos dessa forma, segundo a neurociência e a economia comportamental, e parece que não há muito o que fazer sobre isso. Arrependimentos vão existir, em menores ou maiores graus. Conheço pessoas que dizem não se arrependerem de nenhuma decisão que tomaram na vida e acredito que adotar esse discurso, seja ele verdadeiro ou não, possa ser uma forma de aliviar o peso de algumas consequências ruins, ou simplesmente essas pessoas conseguirão entender que decisões diferentes também trariam mais consequência, em outra escala.

Outra forma de ter uma relação mais pacífica com os monstros do arrependimento, ou pelo menos deixá-los menores do que eles parecem ser, é mentalizar a frase: “fiz o que consegui com as informações e o conhecimento que eu tinha naquele momento”. Os arrependimentos não precisam arrastar com eles, necessariamente, os sentimentos de culpa ou de remorso. Eles vão aparecer de vez em quando, sem dúvidas. Mas podem ser contidos com gentileza – gentileza com você mesmo, antes de tudo.

Sócrates já dizia que “a verdadeira sabedoria consiste em saber que nada se sabe”. A mais pura verdade é que ninguém sabe se os arrependimentos que nos doem hoje não doeriam até mais se tivéssemos agido de forma diferente. O que sabemos é o que temos hoje – que já é repleto de infinitas possibilidades.

Nora Seed, a protagonista do livro que me acompanhou durante esta semana, experimenta a sensação de que as situações das quais nos arrependemos não são os verdadeiros fantasmas. O que nos assombra é o arrependimento em si. É ele que nos entristece, paralisa e diminui. É ele que se coloca, ao mesmo tempo, como a neblina que nos impede de enxergar que todo erro é pedagógico e como a bigorna que carregamos no bolso e nos atrapalha na tentativa de avançar rumo a uma vida mais leve. Esse é meu exercício da semana, e desejo a mesma leveza para a sua.

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Co-fundadora do Todas Group

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