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Paris: como atletas, mulheres são convocadas pelo seu desepenho, como torcedoras, vibram umas pelas outras

Foto: AFP.

Pela primeira vez na história das Olimpíadas, as pessoas que estavam por trás das câmeras transmissoras dos Jogos Olímpicos de Paris, e que acompanhavam de perto cada movimento das atletas das competições, foram instruídas a evitarem enquadramentos que pudessem sexualizar as mulheres, como focar em partes do corpo específicas sem a necessidade real de mostrar o movimeto da modalidade.

Os comentaristas também foram instruídos a não falar sobre aspectos como beleza, formato dos corpos ou fazer insinuações sexuais ou mencionar a vida amorosa das atletas, de acordo com o Olympic Broadcasting Services (OBS), responsáveis pela transmissões oficiais dos jogos. Também existiram regras específicas sobre assédio sexual ou contatos íntimos não-concensuais e inapropriados, estabelecidos pelo Comitê Internacional Olímpico (COI).

Por que a questão do enquadramento das câmeras é um passo tão relevante para superar a desigualdade de gênero? A abertura dos Jogos Olímpicos foi vista por cerda de 1 bilhão de pessoas, mundialmente. Para se ter ideia da grandeza, a média é de mais de 2 bilhões de telespectadores ao longo das competições. Quem acompanhou as atletas por meio de transmissões, seja pela televisão, pelo streaming ou por vídeos oficiais, acessou diretamente o olhar de quem estava realizando as filmagens. A nova instrução do OBS é também uma forma de educar o olhar do telespectador para longe da sexualização das atletas.

Ao longo dos anos, houve mudança no comprimento de alguns uniformes que, de acordo com algumas atletas, pareciam ser propositalmente menores do que o necessário. Também existe um papel da mídia muito importante em tal aspecto: as abordagens e narrativas que serão vinculadas às mulheres. Em entrevista coletiva, em Paris, o presidente do OBS, Yiannis Exarchos, falou sobre a questão das filmagens de transmissão: “Atletas femininas não estão aqui por serem mais atraentes ou sexy ou qualquer coisa do gênero. Elas estão aqui porque são atletas de alto nível”. Ele também declarou que existe um problema de viés inconsciente que leva operadores de câmeras e editores de vídeo a mostrarem imagens com foco mais fechado em mulheres do que em homens.

Além disso, pela primeira vez, os Jogos Olímpicos foram encerrados pela categoria feminina do atletismo, em vez da masculina. Marie Sallois, diretora responsável pela equidade de gênero do COI, declarou que os Jogos de Paris são “de fato, a maior plataforma mundial para promover a igualdade de gênero por meio do esporte e dentro dele”. Ela ainda ressaltou que houve momentos simbólicos durante a abertura dos jogos: quase todas as delegações contavam com homens e mulheres carregando as bandeiras de seus países, enquanto a performance artística prestou tributo às mulheres mais influentes da história da França.

Parafraseando um escritor famoso, Athenas é o berço das Olimpíadas, mas Paris é seu lar. Historicamente, foi em Paris que ocorreram algumas das decisões e mudanças mais relevantes que trouxeram as Olimpíadas para o espetáculo que vemos atualmente. Houve, ao longo dos anos, o acréscimo de regras e de modalidades esportivas, além do aumento da dificuldade da maioria das competições. Paris, em 1900, também foi a primeira cidade a contar com atletas femininas nas Olimpíadas – elas representavam 2,2% do total de participantes. Quase 125 anos depois, no mesmo lugar, comemoramos 50% de mulheres competindo pelo pódio. Só a partir de 1948, quando Londres foi a sede do evento, houve aumento gradativo da participação feminina, sem recuos.

A primeira mulher a vencer uma Olimpíada, no entanto, fez parte dos Jogos Olímpicos antigos, em 396 a.C. e 392 a.C. Nessa época, apenas cidadãos livres (homens atenienses que não eram escravizados) podiam participar das competições – mas Cinisca, filha de um rei espartano, aproveitou-se de uma lacuna entre as regras das corridas de carruagens para competir.

As normas estabeleciam que a modalidade teria como vencedores os proprietários das carruagens, não os cavaleiros – e qualquer pessoa podia ter uma carruagem. Então, ela cedeu uma de suas carruagens para que um cavaleiro disputasse e conquistasse a prova. Cinisca reivindicou – e conseguiu – o reconhecimento de suas vitórias, ainda que as mulheres não fossem permitidas nem mesmo assistir aos jogos.

A participação de mulheres em áreas decisivas, como o próprio COI, só aconteceu a partir de 1980. Apenas em 2012, as atletas femininas estavam presentes em todas as modalidades esportivas e em todas as delegações. A primeira brasileira a participar dos Jogos Olímpicos foi Maria Lenk, em 1932, em Los Angeles – a única mulher na delegação de 60 membros do Brasil. Com 17 anos, ela era representante da natação e foi responsável por introduzir a modalidade do nado borboleta entre as competições.

Levamos 128 anos, a partir da primeira Olimpíada Moderna, para atingir a igualdade de gênero na competição. Segundo o Relatório Global de Desigualdade de Gênero do Fórum Econômico Mundial de 2023, serão necessários 131 anos para que as disparidades de gênero sejam eliminadas em todas as instituições. A previsão parece pessimista – os esportes caminharam com um pouco mais de velocidade, se levarmos em conta que as Olimpíadas acontecem a cada 4 anos. Também existem algumas lições que os esportes podem nos apontar para acelerar as conquistas femininas e reduzir esse tempo.

Não só as competições de times, mas também nas modalidades solos, as equipes são essenciais para que haja a conquista de medalhas ou boas colacações. Existe um esforço vindo de vários lados para que a rivalidade feminina e os estereótipos de gênero sejam deixados para trás nos Jogos Olímpicos. Atletas como Simone Biles (EUA) e Rebecca Andrade (Brasil), que competiram nas mesmas modalidades na Ginástica Artística, se declararam fãs mútuas e são vistas juntas, frequentemente, nos intervalos das competições. Ao levar o ouro na categoria do solo, Rebeca foi reverenciada por Biles no pódio. A skatista Rayssa Leal, conhecida como Fadinha, declarou que não gostaria que seus fãs torcessem para que as outras atletas caíssem durante as competições. Com essa mentalidade, ela também obteve maior nota da história olímpica do skate.

Pela primeira vez, também, o COI destinou quartos de hotéis próximos a Vila Olímpica para as atletas que estão amamentando, graças às campanhas e exigências feitas pela judoca francesa Clarisse Agbegnenou para que a organização atendesse às necessidades das mães. Os locais destinados à amamentação também podem receber os companheiros ou companheiras das atletas para cuidar das crianças enquanto as mães competem.

Nada Hafez, esgrimista de 26 anos que representa a delegação do Egito, deu um passo ainda além: competiu e fez sua melhor pontuação, entre as três Omlimpíadas que já participou, lutando por dois: a atleta está grávida de sete meses e ficou em 16º lugar entre as 64 mulheres da categoria. Além da esgrima, ela competia na Ginástica Artística em nível mundial e é formada em patologia clínica. Seu bebê vai nascer com uma Olimpíada na biografia. Yaylagul Ramazanova, arqueira do Azerbaijão, competiu em cenário parecido. Grávida de seis meses e meio, declarou, sobre uma das fases: “Senti meu bebê chutar logo antes da última flecha, e depois atirei um dez”.

Os Jogos Olímpicos de Paris de 2024 ficou reconhecido como “Olimpíadas das mulheres” e trouxeram mudanças significativas no que diz respeito à equidade de gênero e ao direito das atletas. A delegação brasileira teve 55% do total de integrantes composto por mulheres. Como fãs e torcedores, seguimos vibrando pelas conquistas de nossos atletas, homens e mulheres – mas as Olimpíadas de 2024 já ocupam o pódio histórico quando o assunto é equidade de gênero.

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Co-fundadora do Todas Group

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