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Saúde mental passa a ser obrigação das empresas

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Tatiana Pimenta, fundadora e CEO da Vittude
Foto: Paulo Liebert

Por Tatiana Pimenta, CEO da Vittude.

Cuidar da saúde mental e do bem-estar dos funcionários passa a ser oficial e obrigatório para as empresas. A Norma Regulamentadora No 1 (NR-1), que trata do gerenciamento de riscos das organizações, passou por uma importante revisão em 30 de julho, e incluiu a obrigatoriedade da identificação e gerenciamento dos riscos psicossociais dos trabalhadores no ambiente de trabalho.

Na prática, isso significa que as empresas serão obrigadas a identificar parâmetros psicossociais em seus relatórios de gerenciamento de riscos, que devem ser entregues periodicamente ao governo para o cumprimento das exigências de segurança do trabalho.

Para isso, elas precisarão adotar medidas concretas para prevenir o adoecimento mental dos trabalhadores, gerenciar a sobrecarga de trabalho e criar ambientes de trabalho saudáveis, livres de qualquer forma de assédio.

Essa importante atualização da norma vem como resposta necessária ao crescente problema de adoecimento mental no trabalho no Brasil. O INSS registrou em 2023 um crescimento assustador de 38%, na comparação com 2022, no número de brasileiros que foram afastados do trabalho por uma questão de saúde mental.

São cerca de 288 mil pessoas que têm sobrecarregado os sistemas público e suplementar de saúde e que levaram ao surgimento de leis como a 14.831/24, que instituiu o Certificado de Empresa Promotora de Saúde Mental, uma iniciativa que visa reconhecer e incentivar as empresas que implementam políticas e práticas eficazes de promoção da saúde mental no trabalho.

Do lado das empresas, há ganhos substanciais em investir na saúde mental dos trabalhadores, para além da obrigação legal. A começar pelo impacto dos transtornos de saúde mental no aumento da sinistralidade do sistema de saúde suplementar, gerando custos elevados para as empresas que oferecem planos de saúde aos seus colaboradores.

Entre 2019 e 2023, o reajuste médio acumulado do plano de saúde nas empresas chegou a 68,72%, mais do que o dobro do IPCA no período. Atualmente, as empresas gastam, em média, 14% a 20% da folha de pagamento com plano de saúde para os funcionários, segundo estimativa da consultoria Deloitte.

A redução da sinistralidade nos planos de saúde não é o único benefício para as empresas que investem na saúde mental dos trabalhadores. Programas eficazes de saúde mental podem reduzir significativamente os afastamentos por transtornos mentais, diminuindo os custos associados e aumentando a produtividade.

Essas empresas também se tornam mais atraentes como marca empregadora, contribuindo para a atração e retenção dos talentos e a redução do turnover. Com um clima organizacional mais saudável, os colaboradores sentem maior satisfação e ficam mais engajados. Por fim, com a obrigatoriedade da NR-1, as empresas que investem em programas de saúde mental passam a estar em conformidade legal e mitigam riscos legais e reputacionais.

O papel da alta gestão e dos conselhos

Nos oito anos de experiência da Vittude em programas estratégicos de saúde mental nas empresas, temos constatado que, quando o CEO e a alta gestão se comprometem com o tema e se envolvem diretamente, a eficácia do programa é maior e o retorno sobre o investimento vem mais rápido.

Não só devido à priorização e ao investimento em programas e equipes dedicadas à saúde mental, como devido ao fato da alta liderança ser o exemplo para a transformação cultural na organização, já que o tema ainda é cercado de estigmas e preconceitos em muitas empresas.

Os conselhos de administração têm, nesse sentido, um papel crucial no gerenciamento de riscos e na implementação de práticas de saúde mental. A integração da saúde mental nas estratégias de ESG é fundamental. Cuidar da saúde mental dos colaboradores faz parte do pilar estratégico “S” da sigla, de Social, promovendo um ambiente de trabalho mais inclusivo e justo.

Do ponto de vista da Governança (“G”), investir em saúde mental demonstra um compromisso com a sustentabilidade e a longevidade dos negócios, além do apropriado gerenciamento de riscos. A atualização da NR-1 e a Lei 14.831/24 oferecem um quadro claro e regulamentado para que as empresas implementem essas mudanças de forma eficaz e estruturada.

No que tange o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), há uma clara conexão entre o PGR, a NR-1 e a Lei 14.540/23, que instituiu o Programa e Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, federal, estadual, distrital e municipal.

A atualização da NR-1, que agora inclui parâmetros psicossociais no PGR, aborda diretamente a necessidade de prevenir e gerenciar riscos relacionados à saúde mental, incluindo assédio moral e sexual, alvo também da Lei 14.540/23, que estabelece um programa específico para prevenir e enfrentar o assédio sexual e outros crimes contra a dignidade sexual. Tanto a NR-1 quanto a Lei Nº 14.540 enfatizam a importância do treinamento e da capacitação dos colaboradores e da administração pública com as habilidades e conhecimentos necessários para identificar, prevenir e responder adequadamente aos riscos psicossociais dos trabalhadores.

Penalidades para a empresa que não se adequar à NR-1

A primeira medida para assegurar que as empresas implementem práticas de segurança e saúde no trabalho são as multas para as que não se adequarem à nova norma. Elas podem variar de acordo com a gravidade da infração, o número de empregados afastados e o histórico de conformidade da empresa. Nos casos de maior gravidade, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) pode determinar o embargo ou a interdição parcial ou total das atividades da empresa.

Elas podem ser obrigadas ainda a assinar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MTE ou o MPT, comprometendo-se a implementar as medidas necessárias para adequação à NR-1. O Ministério Público do Trabalho pode ingressar com ações civis públicas contra empresas que desrespeitam as normas de segurança e saúde no trabalho, buscando a condenação e a indenização aos trabalhadores atingidos.

Além das penalidades legais que levam a custos e gastos para a empresa, o mais difícil de reverter, perante a sociedade e o mercado, é o dano reputacional à marca empregadora, prejudicando a atração e retenção de talentos em primeira instância. Esse dano à imagem abala ainda a confiança dos investidores e dos parceiros de negócio e pode levar à perda de clientes. A extensão dos danos de imagem pode escalar e prejudicar fortemente a sustentabilidade e o futuro do negócio.

Como se preparar adequadamente para a atualização da NR-1?

As novas diretrizes da NR-1 devem entrar em vigor em até nove meses após a publicação da norma. No entanto, é recomendável dar o primeiro passo o quanto antes, ajustando os processos internos de gestão de riscos para incluir avaliações regulares de fatores psicossociais.

É por meio destes indicadores que a melhor estratégia pode ser desenhada e os planos de ação definidos, promovendo melhorias contínuas na saúde mental das equipes. Para isso, é recomendável seguir os seguintes passos:

1. Implementação do programa de gerenciamento de risco

Desenvolver um PGR que inclua a identificação, avaliação e controle de todos os riscos ocupacionais, incluindo os psicossociais. Caso a empresa esteja mergulhando nesse tema pela primeira vez, uma consultoria especializada pode auxiliar a definir e integrar os parâmetros psicossociais mais adequados em suas práticas de gestão de riscos e apresentar os métodos e ferramentas mais adequadas de diagnóstico, que permitem avaliar e monitorar estes riscos de maneira eficaz.

2. Capacitação e treinamento

A maioria dos treinamentos e formações de liderança não inclui o preparo dos gestores para desenvolver habilidades que os permitam identificar e controlar riscos psicossociais e questões de saúde mental de suas equipes. Investir, por meio de profissionais especializados no tema, em um plano de treinamento contínuo é parte importante da eficácia do programa.

3. Monitoramento contínuo

Implementar um processo de monitoramento das condições de trabalho e das medidas de controle implementadas, realizando auditorias e inspeções regulares para garantir o cumprimento das normas.

4. Documentação e relatórios

Manter atualizada a documentação de todas as ações relacionadas à segurança e saúde no trabalho, incluindo laudos, relatórios de inspeção e registros de treinamentos.

5. Conformidade legal

Assegurar que todas as práticas e políticas estejam em conformidade com as exigências legais e regulatórias, revisando periodicamente as normas aplicáveis e ajustando as práticas conforme necessário.

6. Engajamento da alta direção

Garantir o comprometimento da alta direção com a segurança e saúde no trabalho, alocando os recursos necessários e integrando essas questões nas políticas e estratégias corporativas.

A atualização da NR-1, que agora inclui a obrigatoriedade de identificar e gerenciar riscos psicossociais dos trabalhadores, e as Leis 14.540/23 e 14.831/24 são avanços importantes para garantir que as empresas adotem uma abordagem holística e proativa em relação à saúde e segurança no trabalho.

Elas chegam para desacelerar a escalada crescente de adoecimento mental, um fenômeno global, que no Brasil nos levou ao ranking de país mais ansioso do mundo, com altos índices de depressão e burnout.

Implementar essas mudanças de forma eficaz exige um esforço coordenado e contínuo, mas é a única forma de garantir o bem-estar e dignidade dos colaboradores e, consequentemente, a produtividade, segurança e sustentabilidade dos negócios.

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