Por Marcelo Bissuh, fundador da Nomos.
A cada novo ciclo eleitoral, a narrativa dominante em relação à Inteligência Artificial se concentra no potencial disruptivo, geralmente sob o fantasma dos deepfakes (vídeos gerados pela tecnologia que imitam pessoas de verdade em imagem e voz) e da desinformação em massa. O trauma do escândalo da Cambridge Analytica, que em 2018 expôs a manipulação baseada em dados, deixou o mundo político em um estado de alerta permanente. Contudo, focar apenas nessa ameaça defensiva é ignorar a verdadeira transformação em curso: o poder da IA como uma ferramenta estratégica ofensiva.
Enquanto casos como as de ligações de robô com a voz clonada de um político nos EUA nas eleições de 2024 alimentam o medo de fake news, a realidade no campo de batalha digital mostra que o desequilíbrio de poder não favorece quem apenas se defende, mas, sim, quem adota a IA como pilar da sua estratégia. Isso porque, a capacidade de gerar conteúdo (vídeos, imagens e textos) de alta qualidade de forma quase instantânea democratizou o poder de produção. Uma equipe de campanha hoje, equipada com as ferramentas certas, é exponencialmente mais poderosa do que era há dois anos.
O que antes exigia estúdios profissionais e orçamentos na casa das centenas de milhares de reais, agora, é acessível para todos. Vimos isso em exemplos práticos, como a propaganda de uma festa junina realizada pela Prefeitura de Ulianópolis, no Pará, inteiramente gerada por IA, que demonstrou a capacidade de criar campanhas visualmente ricas com recursos mínimos. A tecnologia está fazendo pela produção de conteúdo o que a internet fez pela distribuição: quebrou o monopólio dos grandes atores e deu um canal direto e poderoso a todos.
Paralelamente, adotar uma postura puramente reativa, focada na detecção de deepfakes, começa a se mostrar uma estratégia fadada ao fracasso. Entre os diversos testes separados realizados nos EUA, Austrália e Índia, entre eles, o da International Journal for Educational Integrity, com ferramentas de detecção de uso de inteligência artificial, percebe-se uma precisão muito variada, entre 25% e 82%. Em contrapartida, os modelos de geração de conteúdo, como Sora 2 e Veo3, avançam a uma velocidade impressionante em direção ao fotorrealismo. A lacuna entre a capacidade de criar e a de detectar só tende a aumentar.
Já no Brasil, não é de hoje que a IA é um tema importante para o Tribunal Superior Eleitoral. Desde 2024 foi regulado o uso de inteligência artificial em campanhas. Entre as tratativas estão a obrigação de aviso sobre o uso nas propagandas eleitoral e a restrição na adoção de robôs para simular o contato do eleitor com o candidato. Porém, dentre todas as orientações da nova regulamentação, muito se vê no foco de proteger eleitores e candidatos do mal uso de terceiros.
A IA, no entanto, vai muito além de gerar posts mal intencionados para redes sociais. Isso porque estamos testemunhando uma mudança fundamental no comportamento de busca de informação. Cada vez mais, o público recorre a assistentes de IA como ChatGPT, Claude ou Perplexity para obter desde recomendações até a checagem de fatos. E este não é um público qualquer, mas, sim, um público muito qualificado. Dados da Arc Intermedia recentes revelam um comportamento de alto engajamento das pessoas que entram em sites vindo da recomendação de modelos generativos: elas passam 8% mais tempo em sites recomendados, visualizam 12% mais páginas e apresentam uma taxa de rejeição 23% menor.
Isso inaugura uma nova fronteira para a comunicação política: o que chamo de “SEO para Inteligência Artificial”. Se antes a presença digital era sobre ser encontrado no Google e nas redes sociais, hoje é crucial aprender a ser uma resposta relevante e confiável dentro desses novos ecossistemas de informação. O ChatGPT arrastou milhões e milhões de usuários, sendo uma das tecnologias de mais rápida adoção na história, porém poucas marcas já dominaram o processo para serem detectadas e mencionadas por essa ferramenta.
E é nesse cenário que o jogo eleitoral está se renovando mais uma vez, agora em uma escala de personalização e agilidade sem precedentes. Com isso, a questão para 2026 não é mais se a IA será usada, mas quem dominará seu potencial estratégico primeiro. A vitória pertencerá àqueles que compreenderem que, no novo cenário digital, a melhor defesa é um ataque bem orquestrado. Não o ataque com conteúdos falsos criados com inteligência artificial, mas, sim, uma mudança na forma de fazer política convencendo não só eleitores a votarem, mas, também, as mais diversas inteligências artificiais a se tornarem palanque.