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Autonomia financeira feminina: um compromisso para todos os meses do ano

Foto: divulgação

Por Luciana Pavan, educadora financeira e fundadora do 90 Segundos de Finanças.

Março chega e, com ele, uma enxurrada de campanhas e homenagens às mulheres. Contudo, para além das flores e mensagens inspiradoras, há debates urgentes que precisam ser mantidos ao longo dos outros 11 meses. Venho reforçando, há anos, um tópico caro a todas elas: a autonomia financeira feminina. A educação financeira, mais do que um conhecimento técnico, é ferramenta de emancipação, permitindo que mulheres tomem decisões seguras sobre dinheiro e planejem o futuro com independência. No entanto, a desigualdade de gênero em relação a emprego e renda ainda é uma barreira significativa.

De acordo com o 1º Relatório Nacional de Transparência Salarial, divulgado em 2024 pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as mulheres no Brasil recebem, em média, 19,4% a menos que os homens, sendo essa disparidade ainda mais expressiva em cargos de liderança e entre mulheres negras. Além disso, pesquisas apontam que a maior desigualdade de remuneração ocorre após a maternidade, quando muitas precisam reduzir suas jornadas de trabalho ou migrar para ocupações mais flexíveis, o que impacta diretamente sua estabilidade econômica.

Outro obstáculo grave é o abuso patrimonial, um tipo de violência silenciosa que, quando incidente, mina a autonomia financeira delas. Esse abuso pode se manifestar de diferentes formas: impedir acesso ao próprio dinheiro, ocultar documentos, forçá-las a largar o emprego ou fazer dívidas em seu nome sem consentimento. Segundo pesquisa do Senado Federal, em 2011, apenas 6% das mulheres relataram ter sofrido esse tipo de violência. Em 2023, esse número saltou para 34%, revelando que, apesar do silenciamento histórico, cada vez mais mulheres estão identificando e denunciando esse problema.

E como mudar essa realidade? Posso ser suspeita, mas reitero que a educação financeira é um caminho essencial. Para muitas delas, a simples organização das finanças já representa um passo importante para conquistar a autonomia. O primeiro estágio é compreender a própria situação econômica, estabelecer um orçamento realista, priorizar a quitação de dívidas e criar uma reserva para imprevistos. No entanto, “muralhas” culturais e emocionais ainda impedem muitas de negociar melhores salários, investir com segurança e tomar decisões financeiras estratégicas.

Dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) mostram que apenas 35% dos investidores brasileiros são mulheres. Isso reflete um histórico de exclusão financeira e crenças limitantes que são transmitidas geração após geração. Quem nunca viu uma criança ser direcionada para atividades que reforcem estereótipos de gênero? Enquanto meninos são incentivados a desenvolver habilidades matemáticas e empreendedoras, meninas são frequentemente guiadas para brincadeiras que reforcem o cuidado e a resiliência. O resultado é que, na vida adulta, mulheres internalizam a falsa ideia de que não são boas com dinheiro.

A solução para esse problema passa por um conjunto de ações – individuais, coletivas e políticas. No campo pessoal, as mulheres precisam desenvolver hábitos financeiros saudáveis e criar redes de apoio, compartilhando informações sobre educação financeira e autonomia econômica. Em um nível mais amplo, é necessário que governos e instituições privadas ampliem iniciativas de educação financeira, incentivem o empreendedorismo feminino e fortaleçam legislações que protejam as mulheres do abuso patrimonial.

Neste mês de março, mais do que celebrar, é preciso refletir. Autonomia financeira feminina não é um privilégio, mas um direito. E esse debate não pode ser restrito a um único período do ano. Que possamos usar março como um ponto de partida para que esse assunto seja discutido e multiplicado ao longo dos outros 11 meses, garantindo que mais mulheres conquistem independência econômica e, consequentemente, liberdade e dignidade. Juntas, somos força e independência.

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