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Quem te influencia? A China exige diploma. E o Brasil, exige o quê?

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Foto: divulgação
Foto: divulgação

Em 2022, o governo chinês decidiu estabelecer um novo padrão para o ambiente digital. Influenciadores e streamers que desejassem abordar temas técnicos e sensíveis, como medicina, direito, finanças e educação, passaram a ser obrigados a comprovar formação ou certificações profissionais compatíveis com o assunto. A decisão não veio de um capricho político, mas da necessidade urgente de conter a disseminação de desinformação e proteger a população contra conselhos superficiais, imprecisos ou perigosos.

As normas, publicadas por órgãos como a Administração Nacional de Rádio e Televisão e o Ministério da Cultura e Turismo, exigem que plataformas verifiquem as credenciais dos criadores de conteúdo e mantenham registros dessas informações. A medida visa garantir que temas com alto impacto na vida das pessoas sejam tratados com responsabilidade e base técnica. Em um cenário onde a autoridade digital pode ser conquistada apenas com carisma e alcance, a China escolheu apostar na qualificação.

E nós?

No Brasil, a realidade segue em direção oposta. Qualquer pessoa pode falar de saúde mental, dar dicas financeiras, opinar sobre educação infantil ou comentar decisões jurídicas sem qualquer comprovação de experiência, formação ou responsabilidade. Basta ter uma câmera, alguma habilidade de edição e um algoritmo favorável.

Não se trata de censura, mas de responsabilidade

O ambiente digital brasileiro se transformou em um território onde a influência tem mais peso do que a evidência. Onde a popularidade confere autoridade, e a emoção supera a razão. Milhares de pessoas consomem diariamente conselhos médicos, financeiros e educacionais de indivíduos que, muitas vezes, não têm qualquer preparo ou compromisso com a verdade.

Pessoas abandonam tratamentos médicos por recomendação de vídeos curtos. Tomam decisões financeiras com base em promessas de enriquecimento rápido. Educam os filhos seguindo tendências de redes sociais. Muitas vezes, nem percebem o risco embutido nesse tipo de consumo. E quando algo dá errado, já é tarde.

Enquanto isso, os algoritmos seguem premiando quem entrega performance não quem entrega conhecimento. Quem viraliza, não quem aprofunda. A desinformação, travestida de entretenimento, vai se tornando norma. E o debate sobre as consequências desse fenômeno segue ausente.

A comparação com a China serve, aqui, não como modelo a ser copiado integralmente, afinal, trata-se de um país com estrutura autoritária de controle da informação , mas como espelho para refletirmos sobre o que temos naturalizado. A ausência total de filtros em temas que exigem cuidado técnico não é sinal de liberdade plena, mas de um abandono silencioso da responsabilidade.

A autoridade foi substituída pela performance. O conteúdo, pelo carisma. A formação, pelo alcance

E isso nos leva a uma pergunta incômoda: se você tivesse um problema sério de saúde, confiaria mais em um médico com formação comprovada ou em alguém com milhões de seguidores que diz “ter vivido isso na pele”?

A resposta parece óbvia. Mas, na prática, o ambiente digital tem mostrado que esse discernimento está cada vez mais enfraquecido.

As maiores vítimas desse cenário são os jovens

Crianças e adolescentes estão crescendo acreditando que a principal referência para suas dúvidas existenciais, emocionais e sociais é o influenciador do momento. A velocidade da informação e o apelo emocional das redes superam qualquer esforço educacional tradicional. E quando se forma uma geração que confunde opinião com fato, palpite com ciência, carisma com autoridade, os riscos extrapolam o campo pessoal. Tornam-se sociais.

Diante disso, o que fazer?

O caminho mais sensato talvez não seja copiar o modelo chinês, mas iniciar um debate sério sobre critérios de responsabilidade digital. Sobre o papel das plataformas na curadoria de conteúdos que afetam vidas. Sobre a ética dos criadores e o discernimento dos consumidores.

É preciso reconhecer que liberdade sem critério abre espaço para abusos. Que influência sem formação pode gerar consequências reais. E que nem tudo o que é popular, é confiável.

Quem informa, forma. E quem forma, precisa ser formado. No fundo, a pergunta que precisamos fazer não é se a China exagerou. É se nós estamos sendo negligentes demais.

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empreendedor, CEO da EquilibriON e especialista em bem-estar digital.

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