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Quais jaulas emocionais silenciosas podem estar prestes a ceifar vidas?

Foto: divulgação
Foto: divulgação

O Brasil assistiu recentemente à morte de Gerson de Melo Machado, um jovem de 19 anos que invadiu a jaula de uma leoa em um zoológico da Paraíba. A imagem chocou o país, mas a tragédia não começou ali e tampouco termina naquele instante captado por câmeras e manchetes. Antes da jaula de concreto e grades, havia uma jaula mais perigosa, mais lenta, mais silenciosa. A jaula emocional que aprisiona milhares de pessoas todos os dias sem que ninguém perceba.

A história de Gerson expõe um drama maior: a incapacidade coletiva de reconhecer quando alguém não está bem. O país convive com indicadores alarmantes de sofrimento psíquico, especialmente entre jovens, mas continua tratando saúde mental como rodapé da agenda pública e empresarial. Mais de um bilhão de pessoas no mundo vivem com transtornos mentais e muitas não têm acesso a cuidado adequado. No Brasil, os afastamentos do trabalho por causas emocionais cresceram tanto que já representam uma das principais razões de perda de produtividade. O custo é humano, social e econômico.

A pergunta incômoda que a morte de Gerson nos obriga a fazer é: quantas outras jaulas emocionais existem ao nosso redor, invisíveis, silenciosas e tão letais quanto a que ele tentou atravessar? São jaulas construídas de abandono, falta de diagnóstico, ausência de apoio, sobrecarga emocional, pobreza, estigma, violência e expectativa irreal de que as pessoas suportem tudo. São jaulas que não estalam, não rangem, não fazem barulho. Mas sufocam.

Quando um jovem entra em uma jaula física, existe um símbolo ali. Um desejo de chamar atenção para uma dor que ninguém ouviu. Um pedido de ajuda que chegou tarde demais. Uma vida que escorregou pelas frestas de um sistema que deveria proteger, orientar e tratar. Uma sociedade que normaliza sofrimento e só reage quando o irreparável acontece.

O que chamamos de saúde mental não é mais um tema comportamental, motivacional ou periférico. É infraestrutura social. É segurança pública. É estratégia econômica. É política de prevenção. É ambiente de trabalho. É responsabilidade de todos nós. Empresas que desejam alto desempenho precisam compreender que seres humanos não produzem sob ameaça emocional ou sobrecarga crônica. Famílias precisam aprender a reconhecer sinais que vão além do comportamento. Escolas precisam educar para competência emocional tanto quanto para resultados acadêmicos. O Estado precisa parar de enxergar sofrimento mental como desvio e tratá-lo como prioridade.

A morte de Gerson não pode ser reduzida a um fato isolado. Ela é um espelho incômodo. Se não discutirmos saúde mental de forma séria, estruturada e contínua, outras vidas continuarão sendo engolidas por jaulas invisíveis. Pessoas continuarão adoecendo em silêncio. Jovens continuarão sendo descartados pela falta de acolhimento. Trabalhadores continuarão carregando pesos que ninguém vê. O impacto emocional seguirá se transformando em crise social e econômica.

A grande questão é: estamos dispostos a enxergar essas jaulas antes que elas se fechem? Estamos realmente atentos aos silêncios das pessoas que convivem conosco? Estamos preparados para agir quando o sofrimento ainda não tomou forma de tragédia?

Que a história de Gerson nos lembre que vidas não se perdem de repente. Elas se perdem aos poucos. Elas vão sendo corroídas por dentro até que o colapso se torna evidente demais para ser ignorado. Investir em saúde mental não é custo. É prevenção. É dignidade. É estratégia. É cuidado. É humanidade em ação.

As jaulas emocionais existem. A única pergunta que importa agora é: o que vamos fazer para impedir que ceifem outras vidas?

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Consultora empresarial e palestrante, atua na transformação cultural de empresas por meio de programas de felicidade corporativa, segurança psicológica e sustentabilidade humana.

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