A explosão do Airbnb e de outras plataformas de locação por temporada trouxe uma nova fonte de conflito para os condomínios brasileiros.
De um lado, proprietários que enxergam no modelo uma alternativa de renda, de outro, síndicos e vizinhos preocupados com segurança, barulho e mudanças na rotina do edifício. Para navegar neste terreno, é preciso entender onde a lei permite, e onde limita, a autonomia de cada parte.
Especialista em Direito Imobiliário e sócio-fundador do próprio escritório, o advogado carioca Raphael Mançur, vem acompanhando de perto a judicialização desses casos.
Com uma década de experiência em demandas envolvendo incorporadoras, shopping centers e condomínios, ele explica os contornos legais da questão e aponta caminhos para proprietários e síndicos.
Proibição tem limites
Uma das dúvidas mais frequentes entre proprietários é se o condomínio tem poder para vetar completamente a locação por temporada.
A resposta depende do que está estabelecido na convenção condominial, documento que funciona como a lei interna do edifício. A proibição existe, mas não é absoluta e precisa seguir requisitos legais para ser válida.
“O condomínio pode estabelecer restrições ou até proibir a locação por temporada, desde que isso esteja previsto na convenção condominial e seja aprovado em assembleia. A proibição precisa ser fundamentada em motivos legítimos, como preservação da segurança, do sossego ou das características residenciais do edifício“, explica.
Prevenção é o melhor caminho
Antes de anunciar o imóvel em plataformas digitais, o proprietário precisa fazer o dever de casa. Consultar a convenção e o regimento interno é o primeiro passo para evitar surpresas desagradáveis.
Além disso, estabelecer regras claras com os hóspedes e manter diálogo transparente com a administração do condomínio podem evitar conflitos futuros.
“Quem se antecipa, estuda o cenário jurídico e age com transparência reduz drasticamente o risco de problemas. Comunicar a administração sobre a atividade, manter cadastro atualizado dos hóspedes e orientá-los sobre as normas internas são medidas simples que fazem diferença na prática“, afirma o advogado.
Quando o conflito já está instalado
Receber uma notificação ou multa do condomínio pode gerar insegurança, mas é importante agir com técnica e rapidez. O primeiro movimento deve ser analisar se a penalidade foi aplicada de acordo com as normas legais e se respeitou o direito de defesa do proprietário. Nos tribunais, os embates seguem um roteiro conhecido, com argumentos que variam conforme cada caso.
“O primeiro passo é verificar se a convenção realmente veda a locação e se a multa foi aplicada de forma regular, respeitando o contraditório e a ampla defesa. Se a convenção for omissa ou a proibição tiver sido estabelecida de forma irregular, há espaço para reverter a multa“, destaca.
Presença do dono faz diferença
A forma como a locação é feita pode influenciar tanto a percepção dos vizinhos quanto a interpretação jurídica da atividade. Quando o proprietário permanece no imóvel durante a hospedagem, a situação costuma gerar menos resistência. Já a locação integral, sem presença do dono, tende a ser vista como atividade mais comercial e pode enfrentar mais questionamentos.
“Quando o proprietário está presente, a atividade costuma ser interpretada como menos invasiva e menos comercial. Já a locação integral é vista como mais próxima de uma atividade hoteleira, o que pode esbarrar em restrições de uso exclusivamente residencial“, complementa.
Responsabilidade por danos
Quando hóspedes causam prejuízos às áreas comuns do condomínio, a conta pode chegar ao proprietário. A legislação estabelece responsabilidade solidária, o que significa que o dono do imóvel responde pelos atos de quem ele hospeda. A prevenção, nesse caso, é fundamental e passa por medidas práticas e contratuais.
“Juridicamente, o proprietário é responsável solidário pelos atos de seus hóspedes. Isso significa que pode ser acionado pelo condomínio para reparar prejuízos. É possível acionar o hóspede regressivamente para cobrar os valores, desde que haja prova da responsabilidade e previsão contratual. É esse tipo de postura que faz a diferença entre um investimento tranquilo e um passivo judicial”, conclui.