Pesquisar

Profissões do futuro: de criador para curador. Como a IA vai mudar o trabalho

Foto: divulgação
Foto: divulgação

Por Tatiana Oliveira, CEO da AI Brasil.

Quando se fala em inteligência artificial, o sentimento que ainda domina boa parte dos profissionais que trabalham em empresas é o medo. Medo de ser substituído, de perder a relevância, de não conseguir acompanhar. Esse temor nasce não apenas da velocidade da inovação, mas também da desinformação que cerca o tema e, em meio a manchetes sobre automação e demissões em massa, é natural que o futuro do trabalho pareça ameaçador.

Mas a verdade, no entanto, é outra. A tecnologia não vai acabar com os empregos, e sim mudar a lógica do trabalho. O que está em jogo não é o fim das profissões, mas uma redefinição profunda dos papéis humanos, uma transição de criadores para curadores, de executores para estrategistas, de operadores para decisores.

Se antes muitas atividades eram centradas na criação e na execução técnica, agora a tendência é que o ser humano assuma cada vez mais a posição de curador. Programadores, por exemplo, deixarão de escrever cada linha de código para se tornar validadores daquilo que é gerado por um algoritmo, garantindo qualidade e aplicabilidade em um contexto mais amplo. A mesma lógica se aplica ao jornalismo, onde o valor não estará em produzir textos em massa, mas em selecionar, checar e dar sentido às informações. Advogados, médicos e tantos outros especialistas também passam a ocupar esse lugar: menos voltados ao trabalho repetitivo e mais ao olhar estratégico, crítico e humano sobre os resultados.

Esse é o ponto central da transformação: a IA executa, e o humano interpreta. Seremos cada vez menos operadores e cada vez mais “human-in-the-loop”, profissionais que supervisionam, corrigem e garantem propósito à inteligência artificial.

Esse movimento pode gerar desconforto, sobretudo para profissionais que veem na criação a sua identidade. Um desenvolvedor que vê seu código como arte sente frustração ao deixar de “criar” para apenas validar. Em vez de substituir o ato criativo, a IA nos convida a redescobrir o que significa criar, não mais apenas pela execução, mas pela interpretação e pelo impacto.

Enquanto algumas funções serão automatizadas outras, as essencialmente humanas, se tornarão ainda mais valiosas. Cuidadores, artistas, educadores e massoterapeutas, entre outros, continuarão representando o que nenhuma máquina reproduz: a sensorialidade, o cuidado e a empatia. Em um futuro próximo, é possível que vejamos um selo de autenticidade em produtos e experiências: “Feito por humanos.” Esse símbolo pode carregar não apenas um valor comercial, mas também emocional e ético, lembrando que a singularidade humana continuará sendo o maior diferencial competitivo.

Mas esta transformação do trabalho não pode depender apenas de indivíduos. Ela exige políticas públicas, regulação responsável e estratégias de requalificação, pois, se os ganhos de produtividade com o uso da IA não forem acompanhados por uma educação inclusiva, corremos o risco de aumentar desigualdades. O futuro do trabalho será sustentável apenas se for coletivamente inteligente, com Governo, iniciativa privada e academia atuando em conjunto.

Para que essa mudança seja real e inclusiva, é preciso democratizar o conhecimento sobre IA. No Brasil, 17% dos formados no ensino médio e 12% dos graduados são analfabetos funcionais segundo o Inaf, e o país lidera o ranking da OCDE em dificuldade para diferenciar fatos de fake news. Esses números mostram que a base cognitiva necessária para interagir criticamente com a tecnologia ainda é muito frágil por aqui. 

Não basta ensinar a usar ferramentas, é preciso ensinar a pensar com elas. A educação do futuro deve promover uma alfabetização crítica em IA, que una pensamento computacional com capacidade de questionar decisões automatizadas. Essa é a essência da educação para a expansão humana: formar pessoas capazes de compreender a lógica dos sistemas que moldam seu mundo.

Por fim, vale concluir que o futuro do trabalho, portanto, está caminhando não para o desaparecimento das profissões, mas sim de uma evolução do papel humano. Vamos deixar de ser apenas criadores para nos tornarmos curadores do sentido, deslocando esforços da execução técnica para a análise estratégica, da repetição para a decisão, do processo automático para o relacionamento humano. Com toda a tecnologia disponível, o que continuará insubstituível é justamente aquilo que nos torna únicos: a criatividade, o cuidado e a empatia.

Compartilhe

Leia também