Por Shirley Fernandes, sócia-diretora da N1 IT.
Em uma cultura enraizada ainda em pleno século XXI, a figura do chefe é aquela que muitas vezes ainda é vista como a que dá somente ordens, que fala, traz a estratégia e dita as regras. O chefe ocupa o que chamo de “suposto saber” diante de seus liderados.
É fato que ainda encontramos na grande maioria, até mesmo de uma forma inconsciente, uma espera do líder para todas as respostas, mesmo que ainda não tenhamos elaborado as perguntas.
Esta falta de respostas, de feedbacks, de espaços de escuta, de trazer o pertencimento do colaborador vem gerando estatisticamente uma crescente insatisfação e queda de performance.
Uma pesquisa mundial embasa este movimento corporativo. Ela constata que 75% das pessoas estão insatisfeitas com o seu trabalho. E corroborando com estas análises, uma outra pesquisa global demonstrou em seus resultados as principais razões pelas quais bons profissionais pedem demissão. O segundo maior motivo está ligado à liderança, apontando que líderes ruins falam muito e ouvem pouco e não entregam as respostas que são almejadas por seus liderados, frustrando, consequentemente, as expectativas.
É neste contexto bilateral, onde de um lado os líderes “têm” que dar as melhores respostas e de outro os liderados esperando, entra a escuta do líder, uma importante ferramenta de uma liderança ativa e assertiva. Quanto mais o líder escutar, mais insumos ele terá para analisar, elaborar e ter as melhores tomadas de decisão.
Parece tão obvio e simples, mas não é.
Nesta contramão da escuta e da fala, nos deparamos com líderes que falam muito, são protagonistas de suas estratégias e não dividem o palco. Afinal, fomos criados e ensinados desde criança a ficar quietos e apenas escutarmos.
Revisitando algumas falas do passado, podemos citar algumas como: “Não se mete, esta conversa é para adultos”, “Aqui em casa eu falo e você obedece”. E quando perguntávamos: “Mas porque não posso isso?”. A resposta era: “Porque sim, e ponto final”. E, na escola, quando se queria perguntar alguma coisa, levantávamos a mão pedindo permissão e quando nos era dada, poderíamos falar.
Não estou questionando se é certo ou errado, apenas trazendo o contexto e deixar a livre associação em perceber que o ouvir e não falar diante de um líder, ou do “suposto saber” é primitivo, vem da infância, vem da cultura.
Apresentada as devidas reflexões e indagações que cada um de vocês, leitor, esteja associando, trago para o mundo corporativo este processo de escuta e fala. Este aprendizado empírico e cultural da vida reflete, “naturalmente”, no mundo dos negócios. E mesmo no século XXI, o poder da fala muitas vezes não encontra espaço para atuar.
Quando um líder percebe o poder da escuta e se doutrina a escutar mais, entrar no detalhe do dia a dia, permite-se à fazer perguntas abertas e esperar as respostas, escutando e analisando, conseguirá elaborar melhor as suas estratégias. Escutar não é fácil, é um exercício diário e contínuo. Falo por mim mesma. Tenho muitos anos na liderança e sempre me pego no lugar da fala e permito-me entrar no espaço oportunamente da escuta.
Um estudo citado na Harvard Business Review mostrou que funcionários que participaram de um círculo de escuta possuem mais performance e sofrem menos de ansiedade. A escuta ativa é quando você presta atenção no que é dito, demonstra genuinamente interesse na opinião do outro, não apenas cumprindo um protocolo. É uma habilidade que tem que ser treinada e readequada, pois, conforme sinalizei no início deste texto, aprendemos assim: o superior fala e os demais obedecem.
Destaco também, para finalizar, uma escuta que vai além da ativa, que é a escuta flutuante. Esta exige ainda mais exercícios e técnicas para a sua eficácia. Escuta flutuante é uma escuta mais elaborada, onde o líder se dedica interinamente na fala do liderado e consegue conectar-se não apenas com o dito de forma racional, mas entender o sentimento que move aquela fala.
A escuta flutuante vem mais livre de julgamentos, sem expectativas e nem inclinações. É nesta escuta que o líder efetivamente pega o verdadeiro feedback, a essência e sai da superficialidade. A escuta flutuante exige ainda mais atenção e treino do líder, mas é recompensador quanto aos seus resultados.
O líder que escuta de forma intencional e exerce a escuta flutuante sempre montará a melhor estratégia, porque não existe boa estratégia sem pessoas. Líder que coloca na sua agenda um espaço para a escuta, acolhe, abre espaços, empodera aqueles que com eles querem ficar e identifica os que não estão no mesmo propósito e não querem seguir.
Escutar demonstra a maturidade de um líder e está intimamente ligado ao processo de transformação. Com a escuta ativa e flutuante, a liderança coloca ainda mais pessoas certas, nos projetos certos, nos cargos certos e podem cobrar sem estresse na intensidade certa.