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Playbook da IA: premissas para não transformar inovação em modismo 

Foto: divulgação
Foto: divulgação

A Inteligência Artificial (IA) saiu do laboratório e entrou na pauta de conselho, presidente e CFO (Diretor Financeiro, em tradução livre). Quase toda empresa já testou um assistente para redigir textos, um classificador de chamados, uma automação aqui e ali. O problema é quando a adoção vira corrida por ferramentas sem método, pois isso causa expectativas altas, retorno irregular e uma coleção de provas de conceito que não escalam. Em contraste, dados recentes do Iconiq GTM report mostram que empresas nativas em IA convertem 56% das POCs em clientes pagantes, contra 32% nas demais. O valuation da Lovable, acima de US$ 1 bilhão em tempo recorde, é sinal direto disso. 

No topo do funil, a fotografia é parecida; o diferencial aparece no processo. Organizações que incorporam IA ao fluxo de trabalho (em vez de “colar” a IA na borda) reportam ganhos consistentes de conversão ao longo do funil, maior cumprimento de metas e custo por oportunidade menor, mesmo em mercados desafiadores. No Brasil, a adoção cresce, mas ainda de modo fragmentado: 74% das MPMEs  (Micro, Pequenas e Médias Empresas) declararam usar IA em algum nível, muitas vezes em iniciativas isoladas, segundo um estudo encomendado pela Microsoft e a Edelman. 

Quando a tecnologia entra com tese de valor e governança, os ganhos de produtividade passam de 20% (plataforma) e chegam até 50% quando a IA é incorporada ao fluxo — com estruturas de agentes poupando perto de 5 horas/semana por colaborador em operações repetitivas, segundo o Boston Consulting Group. Some-se a isso um gargalo conhecido: apenas 26% das empresas conseguem extrair valor tangível além de pilotos, e 81% relatam dificuldade para contratar perfis qualificados, conforme levantamento do ManPowerGroup. 

Para resolver isso, é preciso foco, partindo do problema e não da ferramenta. É necessário mapear as fricções reais nas jornadas do cliente e colaborador, priorizar as dores com maior impacto mensurável e definir as métricas claras antes e depois. Se a dor costuma ser estável e repetitiva, a automação tradicional pode ser suficiente. Já se há ambiguidade, personalização ou variabilidade alta, a IA tende a capturar mais valor.  Vale ressaltar que é preciso estabelecer limites: a IA não decide como um humano. 

Outro ponto importante: nenhuma dessas premissas funciona sem dados. Sem governança, por exemplo, a IA apenas automatiza a incerteza. Estruturar catálogos, rastrear a origem da informação e adotar práticas éticas de uso é o que garante a eficiência, reduz o retrabalho e previne incidentes jurídicos. Além disso, a cultura organizacional é um divisor de águas, porque a maioria dos fracassos é comportamental e não técnico. Os colaboradores quando usam a IA e entendem o porquê, o cenário muda completamente, mas os líderes precisam contar uma história clara, comunicar objetivos econômicos e criar segurança psicológica para experimentação. 

As empresas que conseguem ter times dedicados, revisar os resultados com frequência e reconhecer quem gera impacto, não apesar de usar a IA, são as que de fato conseguem escalar e crescer. Pelo ponto de vista técnico, vale também cuidar da arquitetura: definir camadas, dados, fundações de IA e aplicações, bem como segregar ambientes, revisar riscos de alucinação e monitorar custos. Essas são medidas que evitam o desperdício e fortalecem a segurança. 

O avanço sustentável vem de ciclos curtos de aprendizado por meio de métricas OKRs (Objetivos e Resultados-Chave) com testes de pilotos trimestrais, prompts e integrações. Para que tudo isso funcione, documentar o que deu certo é fundamental, assim como realizar treinamentos sob demanda e incentivar líderes locais a compartilharem o conhecimento.

Para os próximos 12 meses, o cenário deve acelerar, porque o investimento em uso interno da IA deverá crescer entre 70% a 80% nas organizações, segundo pesquisa encomendada pela IBM, realizada pela Morning Consult em parceria com a Lopez Research. Em startups e empresas de desenvolvimento  o aumento significativo e  potenciais dividendos em receita, custos e produtividade pode ser ainda maior.

Por fim, a meu ver, a lição é simples: A IA não é um atalho e sim uma alavanca, desde que ela seja utilizada com clareza estratégica, governança e cultura. Neste caso, a ferramenta deixa de ser um modismo e se transforma em vantagem competitiva mensurável. A pergunta chave para o próximo trimestre é simples: o que a IA vai melhorar — e como saberemos que funcionou?

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Formado em Administração de Empresas pela ESPM, com pós em Branding e MBA em Venture Capital & Private Equity pela FGV/SP, é CEO da Sinergis e co-fundador da ESPM Angels.

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