Por Raphael Jadão, advogado, sócio do RMMG Advogados, conselheiro da Câmara de Comércio Árabe Brasileira e head do comitê jurídico da mesma instituição.
Nosso país é a casa de milhões de árabes e seus descendentes, razão pela qual o intercâmbio e o relacionamento econômico internacional entre os povos se tornou tão usual nos últimos 150 anos. Há tanto tempo assim? Sim, os primeiros movimentos de imigração se iniciaram no período do Império, ainda sob a batuta de Dom Pedro II. Em suas viagens ao Oriente Médio (Síria, Líbano, Egito e Palestina), entre 1871 e 1877, ele convidou os árabes a integrarem o processo de povoamento do território brasileiro.
Apenas do Líbano, estima-se haver mais de dez milhões de nativos e descendentes vivendo por aqui. Os primeiros árabes desenvolveram a atividade de mascate e, com isso, tiveram grande facilidade em aprender o idioma e se integrar à sociedade, permeando ao longo do tempo em todas as esferas sociais e profissionais. As contribuições de seus costumes ao Brasil são muitas, incluindo a venda a prazo e a aceitação de produtos como forma de pagamento.
Com toda essa riqueza histórica, não se pode ignorar o enorme potencial do relacionamento comercial entre Brasil e os países árabes — que tem aumentado a cada dia. De acordo com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (Anba), em 2022, foram exportados US$ 17,7 bilhões a 22 nações integrantes da Liga Árabe, gerando uma receita recorde. Por outro lado, foram importados US$ 15,03 bilhões. Ao todo, são US$ 32,73 bilhões negociados. Isso faz do mundo árabe o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China e dos Estados Unidos.
Com os números trazidos acima, indubitavelmente há um enorme potencial de negócios. E não será surpresa alguma se, em cinco anos, o mundo árabe se tornar nosso segundo maior parceiro comercial. Quando a segurança alimentar está em jogo, os árabes não brincam. As oportunidades são muitas, não apenas com relação à exportação de commodities — nosso carro-chefe —, mas também de tecnologia.
Tecnologia? Sim, o mundo árabe, em especial os Emirados de Dubai, busca alternativas de “energia verde” para o combustível fóssil, mirando um futuro ecologicamente correto até 2050. Essa realidade abre caminho para as tecnologias brasileiras, em especial nos nichos de energia solar e hidrogênio verde.
Como sabemos, todas as oportunidades trazem muitos desafios. São os casos das barreiras culturais, religiosas, costumes e de legislação. E a principal para os brasileiros que desejam abrir negócios nos países da Liga Árabe se refere ao entendimento da Sharia — lei suprema dos países islâmicos, que dita o que pode e não pode ser feito nas relações comerciais. Destaque especial para a certificação halal, um atestado de que determinado produto ou serviço atende os preceitos muçulmanos. Atualmente no Brasil, existe essa prestação de serviço especializado, o que traz um norte para o empresariado brasileiro e facilita a entrada no mercado árabe.
Com o aumento do volume de negócios entre os dois mundos, crescem também as divergências contratuais — o que, muitas vezes, dá início a um litígio internacional, muitas vezes custoso. É um desfecho que pode ser evitado caso sejam feitas boas amarras contratuais e de fornecimento de garantias contratuais, como uma carta de crédito. Trata-se de uma medida que corriqueiramente é esquecida por quem está negociando nas pontas, no afã de fechar um negócio.
Considerando todo o contexto, a tendência de expansão no relacionamento econômico-comercial entre o Brasil e o mundo árabe é um caminho sem volta. E isso trará certamente diversas oportunidades para os mais variados setores no Brasil, como o do agronegócio, transferência de tecnologia e franquias. Mas a questão é: estamos preparados para isso? Há um desafiador, mas também promissor, trabalho a ser realizado pelos empreendedores brasileiros.