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Caminhos para um corporate venture de sucesso

Foto: divulgação.
Foto: divulgação.

Em tempos de turbulência econômica, e de um mercado com humor instável, não raro uma estratégia clara de investimento em startups por parte das organizações, ou corporate venture, é uma relevante atividade anti-cíclica, principalmente quando a transformação digital está mudando a forma de lidarmos com diferentes produtos, processos e serviços.

Mesmo com o ciclo de baixa atual, o volume e quantidade de investimentos este ano para startups é superior, pelo menos 25%, segundo o CB Insights, aos patamares de 2020 e 2019 no mundo e no Brasil, onde o corporate venture ainda está dando seus primeiros passos:

  • Enquanto 75% das empresas Fortune 100 possuem alguma estratégia para investir e/ou atuar com startups, no Brasil o percentual foi de 20% em 2020.
  • Ao mesmo tempo, 53% das 1000 maiores empresas do País em 2021 tinham previsto, em pipeline, a adoção de alguma estratégia nesse sentido.
  • O volume dos aportes corporativos em startups ao redor do mundo cresceu três vezes mais que o total no Brasil em 2021. Ainda assim, a representatividade (8%) é 1/3 do equivalente aos EUA.
  • Ainda que o valor aportado no 1T22 tenha sido 19% menor que o do trimestre anterior (4T21), foi o que apresentou o maior número de rodadas de investimentos feitas por empresas em startups: um total de 1,3 mil no período!

Em resumo: corporate venture é um tema que ganha cada vez mais relevância nas grandes organizações, sendo fundamental que as lideranças de inovação e o C-level tenham o assunto no radar. E é uma questão de sobrevivência. Não duvide que ou o seu concorrente tradicional já encaminhou a pauta internamente ou algum novo competidor logo irá se tornar uma dor de cabeça no curto ou médio prazo.

A relevância do corporate venture para o ecossistema de inovação no Brasil em alguns anos dificilmente não chegará próximo aos 24% do total em venture capital (quantidade de aportes e volume investido) do que encontramos em regiões maduras, como EUA e Europa. O ciclo de baixa dos mercados, somado à demanda crescente por transformação digital e por agilidade, traz para as lideranças a necessidade de não mais estar próximo das startups, mas de desenvolver um verdadeiro relacionamento estratégico, que pode evoluir desde um investimento minoritário até sua aquisição e absorção à oferta organizacional.

Importante ressaltar que, diferentemente de um fundo independente de Venture Capital, um Corporate Venture deve ir além da métrica de valor de mercado (valuation) das suas investidas. Outras referências para uma iniciativa corporativa de investimento em startups são fundamentais, como geração de crosseling com o portfólio atual da organização, acesso a novos mercados, desenvolvimento de novos produtos ou serviços, otimização de processos, aquisição de novas pessoas/competências e até reformulação da cultura organizacional.

Para entender quais métricas uma empresa deve buscar em suas estratégia de Corporate Venture, seguem cinco práticas que podem nortear esta jornada:

1- Revisão do DNA de marca e sua correlação com o negócio

Ainda que não seja uma métrica para corporate venture, o ciclo de investimento e desinvestimento de uma startup em venture capital costuma estar em uma faixa de entre quatro a seis anos. Considerando que o ciclo médio de um CEO em grandes empresas é de dois a três anos, provavelmente sua iniciativa atual de investimento em startups terá, ao longo do tempo, duas lideranças empresariais diferentes como patrocinadoras.

Para sustentar uma estratégia de corporate venture sem sofrer um “efeito frankenstein”, é fundamental revisitar a cultura do negócio: missão, visão, valores e, principalmente, o propósito. A partir do exercício de interpretação da cultura, é preciso se conectar às tendências tanto do mercado de atuação quanto de outros correlatos – uma rede varejista depende muito de serviços financeiros, por exemplo. A soma destes dois elementos – cultura e novos mercados – com os objetivos financeiros e de posicionamento de mercado de um ano, três anos e cinco anos vai determinar os principais pontos da tese de investimentos.

2- As três dimensões de uma tese de investimentos: mercado x tecnologias x pessoas

Observando a tese de empresas correlatas, percebe-se que existem três pilares que sustentam uma tese de investimentos para uma organização:

  • Definir quais os mercados que vai colocar ênfase na sua procura: diferente de um fundo de venture capital early stage, que não raro olha para todo o mercado e procura empreendedores com potencial de entrega a grandes projetos (“investir no jockey, antes do cavalo”), para uma estratégia corporativa de investimento é importante ter uma referência real de mercados nos quais faz sentido atuar como investidor.
  • Identificar quais tecnologias estarão no teu radar: da mesma forma que uma boa tese de investimento possui setores que demandam foco no processo de mapeamento e análise de oportunidades, é muito interessante compreender também as tecnologias que farão sentido para a empresa para analisar e potencialmente investir em novos negócios. A soma de potenciais mercados e tecnologias de atuação devem oferecer a oportunidade não somente de ganho de eficiência operacional, mas também a abertura de novos negócios via corporate venture. 
  • Mapear o perfil de pessoas que lideram as startups: no final do dia, é tudo sobre pessoas. E, por isso, este item é fundamental no processo de construção de uma tese de investimentos. Não adianta a startup ter tecnologia e mercado estratégicos para a corporação se não há fit cultural entre fundadores e executivos. Avaliar os empreendedores e como eles podem agregar valor como líderes em um processo de investimento e até de aquisição ao negócio principal aumenta as chances de sucesso de uma atuação conjunta.

3- Sinergias: o que ganhamos em conjunto? E como?

A estatística é clara e preocupante: 70% das fusões/aquisições não cumprem seus objetivos. E os principais motivos residem nos seguintes quesitos:

  • Falta de um alinhamento de valores entre empresas: o foco demasiado no negócio-alvo e suas projeções, não raro a avaliação do time fica em segundo plano. O alinhamento de pensamentos entre as partes é fundamental para que possam caminhar juntos, principalmente em um cenário entre corporação e startup.
  • Falta de um plano de integração: Empresas como Cogna e Magazine Luiza possuem planos de integração de empresas adquiridas/investidas para absorvê-las completamente em semanas. Em corporate venture não é diferente: ter uma esteira de etapas pela qual a startup investida deverá passar, envolvendo áreas-chave como finanças, recursos humanos e vendas, é fundamental para tirar o máximo da integração operacional entre as duas.
  • Falta de comunicação: Como causa-conseqüência do item anterior, o diálogo (e sua provocação) entre investida/adquirida e a empresa é fundamental para fomentar atividades conjuntas e trocas de experiências – go-to market, crosseling, cobranding, entre outras.

Tão importante quanto desenvolver a tese é a área de corporate venture ter um plano detalhado de integração e de otimização das atividades estratégicas a serem realizadas em conjunto – desde mentoria e suporte operacional à startup até o acompanhamento de ofertas conjuntas.

4- Relacionamento com o ecossistema: não se joga sozinho neste negócio

Um dos pontos que mais surpreendem executivos ao se confrontar com o desafio de atuar com Venture Capital é o diálogo aberto – e necessário – entre fundos e iniciativas de corporate venture correlatas. O objetivo é simples: geração e compartilhamento de deal flows (startups para análise), bem como coinvestimento para minimizar riscos a cada investimento e, principalmente, otimizar as perspectivas de sinergias operacionais (novos canais de vendas, acesso a clientes, talentos e melhores processos).  

Com os mesmos pontos acima como objetivos, é fundamental estabelecer diálogo também com outros entes no processo de funding para startups no ecossistema, como investidores-anjos e fundos de venture capital. Não raro a soma de um bom plano e o desenvolvimento de um negócio tem o seu “selo de garantia” validado pela presença de investidores com boa reputação no mercado. A troca de experiências dentro do ecossistema de inovação – não raro envolvendo até concorrentes – é fundamental para que cada gestor possa tornar a sua atividade em Corporate Venture melhor a todos os envolvidos: startups, C-Level (patrocinadores) e outros potenciais investidores. 

Relacionamento nesta indústria envolve não somente presença em eventos (próprios ou de terceiros), como também desenvolver negócios em conjunto com as melhores práticas de governança e suporte aos investidos. A consistência na troca de oportunidades de negócios e cogestão das investidas constrói a reputação para ter o acesso aos melhores deals . E isso só vem através do diálogo.

5- Comunicação com o mercado: por que uma startup vai me escolher como investidor?

Segundo a ABVCAP, 50% das iniciativas de corporate venture no Brasil nasceram de 2022 para cá. E ainda somos menos de 120 empresas que possuem uma estratégia clara e declarada sobre o tema, segundo estudo recente da Apex com a mesma. Ou seja: grandes empresas investirem em startups ainda é uma atividade muito incipiente no país, mesmo com o tema sendo discutido amplamente na mídia.

Se pensarmos que cerca de dois terços dos unicórnios nos EUA, em algum momento da sua trajetória, foram investidos por um corporate venture, conseguimos ver a distância que ainda estamos no conversar com o mercado.

Outro fator importante para levar em consideração é justamente a competição pelas melhores startups e por seus fundadores. Ter uma comunicação clara ao mercado sobre os benefícios da sua atuação como corporate venture, seu processo de onboarding e de sinergias claros e como pode contribuir no desenvolvimento da startup além de recursos financeiros vai construir o seu posicionamento dentro do ecossistema e, invariavelmente, o acesso a coinvestidores e negócios mais assertivos à sua iniciativa.

Não à toa que fundos de venture capital mais experientes, como a Astella e Canary, possuem áreas de marketing e conteúdo para fomentar não somente conhecimento e inteligência para suas investidas, mas para o ecossistema como um todo. Vejo como potencial diferencial para corporate ventures o desenvolvimento dessa frente junto aos times de marketing e branding de suas organizações.

Liderar o processo de inovação em grandes empresas é um dos principais desafios para os próximos anos. O profissional não pode abrir mão dos incrementos aos produtos atuais, ao mesmo tempo que precisa ficar de olho no horizonte de médio e longo prazos tanto como estratégia comercial quanto de melhoria de processos ou oportunidade de negócios. Ter uma atuação sólida em corporate venture é fundamental para atingir o terceiro quesito citado acima – o principal capaz de reinventar a organização e criar novas linhas de receita e crescimento.

Leia outras colunas do João Gabriel Chebante clicando aqui.

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Forrmado em Administração de Empresas com ênfase em Marketing pela ESPM/SP, com pós em Branding e MBA em Venture Capital & Private Equity pela FGV/SP. Lidera a Sinergis e é membro do board da ESPM Angels

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