Por Mariano García-Valiño, CEO da Axenya.
Dentro da divisão de trabalho imposta pela Revolução Industrial, a economia se dividia em setores distintos de atuação, e a competição consistia em dominar territórios dentro de fronteiras bem claras. Na era pós-industrial, esse jogo mudou totalmente. Isso porque os negócios do futuro serão cada vez mais intersetoriais e colaborativos.
Para se ter uma perspectiva das mudanças no horizonte, vale a pena considerar como a lista de maiores empresas do mundo mudou ao longo dos últimos 20 anos. Em 2002, as companhias mais valiosas do mundo existiam por várias décadas, com nomes como Microsoft, General Electric, BP e Walmart entre elas.
Quando se salta para 2022, apenas uma das companhias que estavam no “top 10” há 20 anos segue na lista: a Microsoft. Agora, a lista inclui nomes como Apple, Alphabet (dona do Google), Amazon, Tesla e Meta, algumas delas sequer existiam em 2002.
Mas não foram só os nomes que mudaram. A lógica por trás dos negócios mais valiosos do mundo também se transformou. No passado, as empresas eram as líderes de seus setores, caso de Walmart (varejo), Exxon, BP e Royal Dutch Shell (petróleo) e Pfizer (indústria farmacêutica).
Agora, essas linhas setoriais são bem mais difíceis de definir. Afinal, o que faz a Amazon? Varejo, entretenimento, computação ou serviços para negócios? E a Apple? Tecnologia, design, música ou finanças? As companhias líderes de 2022 parecem trabalhar de uma forma similar, mas defini-las é bem mais difícil.
A melhor maneira de definir essas grandes empresas seria como “ecossistemas”. Segundo livro recente de Venkat Atluri e Mikós Dietz, sócios da McKinsey, ecossistemas são “negócios digitais e físicos interconectados que trabalham além das fronteiras tradicionais de setores para fornecer aos clientes tudo o que desejam em relação a uma necessidade específica”. São negócios que colaboram “uns com os outros – compartilhando ativos, informações e recursos – e criando valor além do que seria possível para cada um deles individualmente”.
Por trás do negócio, a necessidade do cliente
A mudança crítica aqui é que essas empresas constroem suas ofertas em torno das necessidades do cliente em todas as esferas. Basta olhar para o seu iPhone para encontrar exemplos concretos disso.
Mas o conceito não precisa que a oferta seja digital. Pense, por exemplo, em um cliente que busca uma nova casa. Ele precisa somente encontrar uma casa (o modelo do corretor de imóveis)? Ou também precisa de uma hipoteca, móveis, decoração, jardim, cabo e internet, serviço de limpeza, caminhão de mudança etc? Não faz mais sentido oferecer o pacote completo de forma totalmente integrada?
A palavra ecossistema vem da ecologia e foi inicialmente cunhado pelo naturalista inglês Sir Arthur Tansley em meados do século 20. Em ecologia, os ecossistemas são áreas geográficas onde plantas, animais e outros organismos trabalham juntos, dependendo de todos os outros direta ou indiretamente.
Para o cientista Fritjof Capra, no século 19, os darwinistas e os darwinistas sociais falavam sobre a competição na natureza: “Natureza, vermelha nos dentes e nas garras”. “No século 20, os ecologistas descobriram que, na auto-organização dos ecossistemas, a cooperação é muito mais importante do que a competição. Observamos constantemente parcerias, vínculos, espécies vivendo umas dentro das outras dependendo umas das outras para sobreviver”.
Quando falamos sobre negócios, os conceitos de ecossistema vêm para apagar os limites estritos entre setores. Para muitos, combinar o competitivo e o colaborativo ainda pode parecer um tanto contra-intuitivo. Isso porque a teoria tradicional da administração tem sido distintamente darwiniana. Para a maioria das empresas, o objetivo final tem sido ser o número um em seu setor, e ponto final.
Ainda assim, como mostram os exemplos citados, os ecossistemas de negócios estão realmente prosperando. Isso porque, além de borrar as fronteiras típicas dos setores, combinam o competitivo com o colaborativo.
Basta olhar para a decisão da Apple de incorporar milhões de aplicativos criados por terceiros ao iPhone, em vez de se restringir ao desenvolvimento próprio, a empresa reforçou enormemente sua oferta aos clientes. Mais de 50% das vendas da Amazon em 2022 hoje vêm de terceiros, o que também elevou consideravelmente sua oferta de produtos.
Um dos primeiros e talvez mais emblemáticos expoentes desse modelo é a chinesa Alibaba, que fornece e-commerce, serviços de vendas, pagamentos eletrônicos, motores de busca de compras e serviços de computação na nuvem.
Refletindo sobre o Alibaba, Ming Zeng, consultor estratégico da empresa, disse: “Hoje, a Alibaba é o que você obtém se pegar todas as funções associadas ao varejo e coordená-las em uma ampla rede baseada em dados de vendedores, profissionais de marketing, prestadores de serviços, empresas de logística e fabricantes.”
Criação de ecossistema vai além da atuação multissetorial
Algumas pessoas podem dizer que esse modelo não é novo: pode parecer muito similar aos conglomerados do final do século 20, modelo exemplificado por empresas como General Electric (coincidentemente a maior empresa do mundo em 2002), que reunia negócios díspares sob uma empresa-mãe com a ideia de criar eficiência e reduzir riscos.
Mas enquanto o conglomerado de certa forma suprimiu limites do setor, ele não pode ser considerado um ecossistema. De maneira geral, foi desenvolvido de olho na eficiência interna e na geração de valor para o investidor, não estava particularmente interessado em criar uma nova oferta ao cliente.
Então, o que permitiu a solidificação desses novos conceitos? Uma das alavancas para a mudança, segundo o economista da London Business School Michael Jacobides, foi a indefinição da fronteira entre produtos e serviços, impulsionada por mudanças regulatórias e pela digitalização, que levaram à combinação de produtos e serviços – por exemplo, cápsulas e máquinas Nespresso. A tecnologia desempenhou importante papel: os avanços tecnológicos das duas últimas décadas reduziram as barreiras tradicionais entre setores.
Quando se aumenta a capacidade de dar ao cliente o que ele quer, quando ele quer, elevam-se as expectativas. Hoje, o consumidor pode considerar inaceitável encomendar um produto e não recebê-lo no mesmo dia ou ter de esperar mais de três minutos por um serviço de carona.
Com essas forças em ação, é difícil imaginar um mundo em que esses modelos não continuem a crescer. Atluri e Dietz sugerem que o possível valor dos ecossistemas nas próximas décadas pode chegar a algo entre US$ 70 trilhões e US$ 100 trilhões, ou mais de um terço da economia global.