“Não houve nenhuma sinalização antes da demissão, não teve um plano de ação, não teve um PDI: nada que eu pudesse fazer para evitar o desligamento. Não foram claros, alegando apenas reestruturação”.
“A demissão foi realizada em pé em dois minutos – isso após 17 anos”.
“Falam muito em dar feedback, mas não dão. Tentam divulgar uma imagem de empresa preocupada com os colaboradores, mas não se preocupam. Ser claro e objetivo, e apontar o porquê da demissão, é o mínimo!”.
Esses são alguns dos relatos de profissionais demitidos colhidos ao longo de três meses pela Produtive, consultoria de planejamento e transição de carreira, que realizou uma ampla pesquisa sobre o processo de demissão nas empresas.
Segundo o estudo, o offboarding parece ainda não ser um ponto de preocupação na gestão de muitas companhias: 61,4% dos demitidos foram surpreendidos pela notícia e a percepção é de que 60% dos líderes não sabem demitir.
Fora isso, mais de 40% não sentiram nenhuma abertura para pedir mais informações sobre a decisão, o que mostra falta de acolhimento e empatia. Aliás, clareza, empatia, transparência e respeito foram os termos mais citados pelos respondentes e que mostram a necessidade de mais cuidado das organizações com o tema.
Rafael Souto, presidente da Produtive, explica que o desligamento não pode ser tratado como algo sem importância e pensado apenas na hora de demitir:
“Trata-se de um processo que se inicia muito antes da decisão. Seja por motivo de desempenho, reestruturação do negócio ou redução de custos, precisa ser pensado e planejado”.
Isso quer dizer, na prática, olhar o offboarding como todos os programas e ações, e como parte da experiência do funcionário.
Para isso, é preciso contar com um processo bem estruturado de avaliação ao longo da jornada do colaborador, critérios centrais de escolha de quem desligar e gestores bem preparados para isso.
Segundo Rafael, isso inclui o treinamento dos líderes e a definição de todas as fases que envolvem o processo: de que forma a comunicação é feita, quem é o responsável pela parte operacional, como pagamentos, extensão ou não do plano de saúde, se será oferecido assessoria de recolocação, e pagamentos.
“Mas o que observamos é que a liderança, em sua maioria, não trata o assunto como um processo que deve ser planejado, e o efeito é uma demissão conduzida de forma equivocada, passando uma imagem de desrespeito ao profissional, com informações genéricas e sem habilidade para ouvir o ponto de vista do funcionário que está sendo desligado. Quem está saindo, mas não pode ser tratado como um traidor. Precisa ser respeitado, pois um dia pode, até, voltar para a empresa”.
PARTE DA ESTRATÉGIA
A estruturação de uma política de demissão é um pilar estratégico de negócio, já que a atenção igualitária, com procedimentos estruturados para encerramento de ciclos curtos e longos de carreira, fortalece a reputação da empresa como marca empregadora.
Rafael recomenda que as organizações olhem para a demissão como uma ação relevante e implementem treinamentos sobre o tema para os gestores, independentemente de estar vivendo uma fase de demissão em massa.
“Todo líder deve saber demitir, pois faz parte de seu escopo de trabalho”, diz.
É preciso ter em mente, também, que uma demissão mal feita pode prejudicar muito a imagem da companhia. Isso porque, a marca empregadora também se forma na saída e a opinião daqueles que deixam a organização é fator-chave para impactar novos colaboradores.
“Esse tipo de demissão feita em série vai gerar no mercado uma imagem ruim, de que a companhia trata mal as pessoas, não se preocupa com o desligamento e não valoriza quem contribuiu com o negócio por um tempo”, afirma.
O tema tem muito a ver com o S, do famoso ESG, sigla em inglês para environmental, social and governance (ambiental, social e governança, em português).
“Quando desligamos alguém estamos gerando impacto na economia e na vida das pessoas, e a empresa tem que se preocupar com sua reputação e responsabilidade na sociedade”, diz.
Uma demissão mal feita pode, ainda, gerar várias dificuldades para o profissional dar sequência na carreira. De acordo com Rafael, o indivíduo não sabe porque foi demitido e não consegue explicar o motivo em uma entrevista de emprego, por exemplo. Além disso, fica com uma questão em aberto que dificulta seu desenvolvimento.
PELA PORTA DA FRENTE
Veja, a seguir, algumas recomendações da Produtive para um processo bem conduzido:
- O líder direto deve fornecer feedbacks constantes e dialogar com os colaboradores sobre suas carreiras de forma aberta e respeitosa. A demissão não pode ser uma surpresa, com o funcionário achando que tudo estava indo bem por falta de processos de avaliação.
- A demissão deve ser feita pelo líder direto do profissional e não delegada a outros setores, como o RH, ou a lideranças de instâncias superiores como forma de escape da situação desconfortável ou de legitimação da tomada de decisão.
- O líder deve se preparar para o momento, o que envolve reunir as informações que serão fornecidas ao funcionário sobre a demissão, como os motivos que levaram à tomada de decisão e, se houver, entendimento sobre o plano de apoio que será oferecido: recolocação, manutenção temporária de benefícios, indicações etc.
- No momento da comunicação, o ideal é fugir do enfoque jurídico, frio, impessoal e distante na tentativa de evitar problemas legais. Ao contrário, o demitido, ao sentir-se desrespeitado e desconsiderado, tende mais a revidar o desconforto
- Após comunicar a demissão, o líder deve estar preparado para ouvir genuinamente o que o demitido tem a dizer, mesmo que não compreenda e aceite os argumentos para a demissão. Demonstrar respeito e acolhimento, mas manter firmeza em relação à decisão, é essencial.
E não deixe de aplicar uma entrevista demissional, dando ao profissional a oportunidade de avaliar o processo de demissão. Isso ajuda a identificar se o desligamento tem sido bem feito e o que pode ser mudado para aperfeiçoar. Manter as portas abertas é sempre melhor.