Em junho deste ano, Pedro Guimarães, até então presidente da Caixa Econômica Federal, pediu demissão depois de funcionárias o acusaram de assédio sexual. Ele nega, claro. Mas os fatos estão aí, escancarados. Em uma matéria para a Rede Globo, as mulheres relataram situações bem desagradáveis, para dizer o mínimo. Uma vítima contou, por exemplo, uma ocasião em que levou um carregador de celular para o executivo, a pedido dele, e foi recebida por ele vestindo apenas uma cueca samba-canção. Outra relatou que Pedro gostava de dar abraços fortes e, nesses abraços, deixava a mão escapar para tocar seu seio ou outras partes íntimas. As primeiras denúncias foram feitas nos canais de denúncia do banco em 2019, justo o ano em que Pedro Guimarães assumiu como presidente. Em comunicado, a empresa disse que não sabe sobre as denúncias.
Casos de assédio sexual no mundo corporativo não são raros. Infelizmente. O levantamento mais recente feito pelo LinkedIn, em parceria com a consultoria Think Eva, mostra que cerca de 47% das mulheres já sofreram com esse tipo de situação, que é uma manifestação de abuso de poder. De maneira simples, é caracterizado por uma ação de cunho sexual, como fazer comentários sobre o corpo ou aparência de alguém, encostar, beijar, mostrar fotos ou vídeos de cunho sexual, sem consentimento e para humilhar ou constranger a vítima. “Trata-se de um problema estrutural, reflexo de diferenças de poder, seja por conta de hierarquia ou função na empresa ou desigualdades sociais”, explica Rafaela Frankenthal, sócia-fundadora da SafeSpace, plataforma para prevenir, comunicar e resolver problemas de comportamento no trabalho. Segundo ela, apesar de também acontecer com homens, as mulheres são as principais vítimas pelo fato de vivermos em uma sociedade machista que ainda objetifica o corpo feminino e reprime a presença das mulheres no ambiente corporativo.
E denunciar, na maioria das vezes, é difícil. A pesquisa do LinkedIn mostra que apenas 5% das vítimas se sentiram seguras em buscar o RH para relatar as agressões e quase 15% delas pediram demissão. Isso acontece por se tratar de algo enraizado em uma estrutura sócio-cultural, com dimensões estruturais. “Casos de assédio sexual sempre existiram, mas foram naturalizados por muito tempo. Por isso, a maioria das vítimas não confia que a empresa tem a capacidade de apurar e resolver os casos com segurança”, diz. Além disso, as pessoas têm medo de sofrer retaliação e de se expor, e não querem lembrar de uma experiência traumática. Por isso, a recomendação é que as companhias ofereçam opções de denúncia anônima.
AJUDA DE PESO
Ainda há muito a ser feito para combater o problema, mas já há um movimento de companhias preocupadas com o assunto e dispostas a sair das estatísticas. A SafeSpace que, além de Rafaela, conta com Natalie Zarzur, Giovanna Sasso e Claudia Farias na sociedade, atende atualmente 100 companhias, como PetLove, Creditas, Rock Content e OLX, que juntas somam mais de 30 mil funcionários. A plataforma da SafeSpace funciona como um canal de escuta em tempo real e permite que a pessoa assediada descreva o fato por meio de perguntas geradas pelo sistema, que podem ser respondidas de forma anônima ou não. É possível acompanhar o status do processo, desde a etapa de análise até a fase em que foi solucionado, com a certeza de que o ID do computador não será localizado. Para encorajar ainda mais as pessoas a denunciar, já que as empreendedoras sabem o quão difícil pode ser esse processo, a empresa conta com uma ferramenta que permite saber se houve algum relato semelhante sobre o denunciado. “A plataforma foi projetada pensando na experiência de quem está fazendo o relato, diminuindo barreiras e encorajando a denúncia”, explica Rafaela.
De um lado, há um aplicativo no qual o colaborador pode fazer o relato da má conduta, como casos de assédio sexual ou moral, discriminação, bullying, fraude, corrupção ou conflito de interesse. Do outro, as áreas de compliance e RH têm acesso a um painel de gerenciamento e análise, além de relatórios, para atuar de forma mais assertiva. Segundo Rafaela, o foco é ajudar as empresas a identificar problemas logo no começo, tendo uma postura mais ativa e menos reativa. Com a ajuda da plataforma, as questões podem ser resolvidas até três vezes mais rápido. “Nosso propósito é ajudar organizações a terem um ambiente de trabalho mais seguro e inclusivo”, afirma.
CULTURA ANTI-ASSÉDIO
Segundo Rafaela, além de contar com um canal de denúncias e divulgá-lo com frequência, é essencial a empresa ser transparente sobre a apuração e treinar as pessoas envolvidas nesse processo para que consigam lidar com as questões de forma segura e eficiente. Outro ponto importante é que a postura anti-assédio seja parte da cultura do negócio, de seu jeito de trabalhar. Nesse sentido, Rafaela recomenda contar com uma ação efetiva voltada para a educação da liderança sobre dinâmicas de abuso de poder e vieses. A”lém disso, é imprescindível ter um código de conduta claro e acessível – sem nada de juridiquês”, diz.
E uma mensagem importante às vítimas: é essencial entender que a culpa não é de quem sofre o assédio sexual. Se você passou por isso, não se culpe, nem se responsabilize. Nunca! “Reaja! Se a sua empresa tiver um canal de denúncias e você sentir que existe a possibilidade de resolver a situação internamente, a melhor coisa a fazer é reportar. Só assim vamos conseguir combater o problema”, completa Rafaela.
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